Não se podem renegar princípios, afirma Carlos Coelho à VISÃO

25 de Outubro, 2001

VISÃO: O que vai mudar no que toca aos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos devido à campanha em curso contra o terrorismo?

CARLOS COELHO: Espero que pouco.

Se o combate ao terrorismo for confundido com medidas que restrinjam os direitos, liberdades e garantias que caracterizam os nossos valores e a nossa civilização, então os terroristas terão ganho o seu combate com a nossa cumplicidade e conivência.

V: Multiplicam-se os avisos de que teremos de abdicar de alguns dos «privilégios» anteriores a 11 de Setembro e até o recente relatório do Instituto de Estudos Estratégicos Internacionais de Londres considera que as sociedades serão «mais conservadoras»...

CC: A maior parte desses "avisos" que pretendem fazer-nos crer que não é possível combater o terrorismo e outras ameaças novas dos novos tempos, sem restringir significativamente as nossas liberdades, deixam-me um sabor amargo na boca.

O que se trata é de defender a nossa civilização e os nossos valores, não de prescindir deles ao primeiro susto ou ameaça.

V: Como podem os cidadãos defender-se de eventuais excessos cometidos em nome do segredo de estado ou da luta contra o terrorismo?

CC: Através dos mecanismos que já existem na Lei e que não devem ser fragilizados.

Não se podem renegar princípios como o da presunção da inocência, da igualdade dos cidadãos perante a Lei, da independência dos Juízes, da prevalência do respeito pela Lei por todos os agentes sociais o que inclui as próprias autoridades administrativas e os poderes do Estado.

V: O articulista do Nouvel sobre este assunto, Laurent Joffrin, fala abertamente do fim da nossa «sociedade liberal-libertária»...

CC: Sem querer divagar excessivamente sobre a correcção terminológica da caracterização da nossa sociedade, penso sinceramente que ainda vivemos sob o impacto emocional da enormidade do acto criminoso de 11 de Setembro.

Há afirmações exageradas que se compreendem a essa luz.

V: Perante este debate e face à actual crise, qual o papel a desempenhar pelo Parlamento Europeu na defesa dos cidadãos?

CC: O Parlamento Europeu (e a generalidade das instituições europeias) já está a fazer e pode fazer mais ainda, sobretudo em 4 aspectos:

1. Branqueamento de capitais

O crime organizado, com destaque para as redes transnacionais, depende da sua capacidade de "lavar" o dinheiro sujo.

As redes terroristas dependem do seu financiamento. Lutar contra o financiamento do terrorismo é, assim, uma prioridade. A União deve ser mais célere e eficaz no alargamento da Directiva sobre o branqueamento de capitais e a Decisão-quadro sobre o congelamento de bens.

2. Espaço de Liberdade, Segurança e Justiça

A União que, até recentemente, tem sido sobretudo uma Comunidade Económica, iniciou desde o Tratado de Maastricht uma tendência para se virar para os cidadãos com a instituição de uma cidadania europeia e a adopção de políticas concretas nas áreas da Liberdade, da Segurança e da Justiça.

É neste esforço que se inserem medidas que temos vindo a reclamar no Parlamento Europeu e que têm sido propostas pelo Comissário António Vitorino como a instauração de um mandato de captura europeu, a definição comum de terrorismo (só 6 dos 15 Estados-Membros prevêm esse crime nos seus Códigos Penais: França, Itália, Alemanha, Reino Unido, Espanha e... Portugal), o reforço da cooperação com a Europol, partilhando de forma sistemática e em tempo real os dados considerados úteis em matéria de combate ao terrorismo.

3. Reforço da segurança

Há, obviamente que reforçar medidas de segurança nas unidades industriais que lidam com produtos químicos perigosos, nas centrais nucleares bem como nos transportes aéreos nas áreas onde ela está claramente deficitária, como é o caso da melhor protecção no acesso aos cockpits, do controlo das bagagens de porão e o seu trânsito dentro dos serviços aeroportuários, da detecção de armas e da formação das tripulações.

4. Ajudas ao Desenvolvimento

Na sua relação com os países menos desenvolvidos cabe aos países mais ricos uma política clara de apoio ao desenvolvimento e de consolidação dos regimes democráticos.

A pobreza é sempre terreno fértil para os fanáticos e fundamentalistas. Quer pela exigência do combate ao terrorismo, quer pela emergência crescente de fenómenos de exploração do tráfico de seres humanos, quer pela necessidade do controlo dos fluxos de imigração ilegal, a ajuda ao desenvolvimento é um instrumento cada vez mais necessário à escala mundial.