Discurso de Marcelo Rebelo de Sousa, Presidente da República Portuguesa, no plenário do Parlamento Europeu em Estrasburgo

13 de Abril, 2016

Marcelo Rebelo de Sousa, Presidente da República Portuguesa. – Senhor Presidente, Senhoras e Senhores Deputados

Merci infiniment, Monsieur le Président, pour l'honneur que vous me faites de m'inviter au sein de la maison de la démocratie, un mois après que j'aie pris mes fonctions en tant que président de la République portugaise.

Ich danke Ihnen, Herr Präsident Martin Schulz, dafür, dass ich die legitimen Vertreter der europäischen Bevölkerung ansprechen darf, die ich jetzt bestätigen möchte.

Casa da Democracia porque a nenhuma outra instituição europeia a esta escala subjazem os princípios da liberdade da segurança, do humanismo, da participação dos cidadãos, que esta Assembleia – e cada um dos seus membros – representa e garante.

Poder estar aqui hoje é sinal da relevância que a integração europeia assumiu no nascimento e na afirmação da democracia portuguesa. Mas é também sinal de um empenhamento pessoal, nascido de um desígnio muito antigo. Eu pertenço a uma geração de portugueses para a qual a Europa e a integração nesta foram um sonho, inseparável da democracia, da descolonização, do desenvolvimento económico e da Justiça Social.

A conversão da ditadura em democracia passava pelo fim do Império, mas não menos pela afirmação da pertença de Portugal à Europa, seu berço geográfico, histórico e cultural. E, mais claramente a partir dos anos 60 do século passado, destino da sua principal emigração e origem e destino do seu comércio.

Acreditávamos na Europa em si mesma, pelo que representava como exemplo de paz, de solidariedade, de crescimento, de equidade social, de vivência cultural. Mas víamo-la ainda como incentivo à construção de um Portugal novo.

Por isso, recordo com saudade a primeira delegação universitária às Comunidades, que eu integrei, no mais complexo período da Revolução; ou a influência europeia na minha atividade, com vinte e poucos anos, de deputado constituinte, entre 1975 e 1976.

E por isso ainda, vibrei com o pedido de adesão, em 1977, com as longas negociações até 1985, com a laboriosa construção da moeda única, que, como líder da oposição, me levou a viabilizar três orçamentos de Estado a um governo minoritário, contribuindo assim para a entrada de Portugal na zona euro. E permitam-me confessar-lhes o júbilo e o orgulho que senti com a eleição de um português – José Manuel Durão Barroso – para a presidência da Comissão Europeia; e dizer-lhes do particular empenho e orgulho que sinto com a atividade dos deputados portugueses – de rigorosamente todos os deputados portugueses – nesta Assembleia.

As convicções antigas e fortes nunca mudam. Continuo convicto do papel insubstituível da União Europeia, na Europa e no mundo. E, desde que há democracia, Portugal continua fiel a esta constante da sua estratégia nacional, com todos os seus presidentes e com todos os seus governos.

(Aplausos)

Portugal celebra este ano 40 anos da Constituição, a carta fundadora da liberdade e da democracia.

Para a consolidação da democracia portuguesa, as Comunidades europeias desempenharam um papel essencial. Foi – e continua a ser – igualmente fundamental o contributo da União Europeia para o desenvolvimento do meu país e para a melhoria da qualidade de vida do seu povo.

Portugal soube aproveitar com êxito os fundos estruturais vindos da Europa, modernizou o tecido produtivo, qualificou a mão-de-obra, construiu infraestruturas essenciais. Mas, para se ajustar às regras europeias, Portugal viu-se obrigado a dar em 12 anos os passos que economias mais fortes tinham dado em mais de 40 e, pelo meio, descolonizou em dois anos e acolheu e integrou, numa população de nove milhões, 700 000 nacionais e africanos de língua portuguesa, viu o poder militar permanecer até 1982, saiu de uma economia parcialmente colonial, rural e fechada para uma economia europeia, globalizada, aberta, progressivamente reprivatizada, com mais peso de serviços e de novas indústrias.

O preço destas mudanças em curto espaço de tempo foi imenso e nem a utilização dos fundos comunitários, testemunho da compreensão e do apoio europeu a Portugal, foi suficiente para a necessária consolidação.

As crises mundial e europeia de 2008 e 2009 juntaram-se aos problemas estruturais ainda por resolver e, durante três anos e meio, um Programa de Ajustamento, em que intervieram a Comissão Europeia, o Banco Central Europeu e o Fundo Monetário Internacional, testou a capacidade histórica dos portugueses para resistirem às crises e aos sacrifícios pessoais de modo a que os equilíbrios financeiros interno e externo pudessem vingar.

Como Presidente da República Portuguesa orgulho-me de estar aqui hoje perante esta Assembleia e poder dizer: a Europa não faltou no auxílio a Portugal e Portugal honrou os seus compromissos, saindo de forma limpa do Programa de Ajustamento.

(Aplausos)

Hoje, Portugal quer continuar a garantir os equilíbrios financeiros, o controlo do défice, o controlo da dívida pública e, ao mesmo tempo, começar a compensar setores sociais mais sacrificados no passado recente, acreditando que, além do investimento privado e das exportações, também o consumo das famílias pode ajudar a criar crescimento e emprego.

É um caminho que visa as mesmas metas macroeconómicas e financeiras, mas que é, em parte, diverso do anterior, conduzido por um Governo também europeísta, respeitador dos compromissos internacionalmente assumidos, apoiado no Parlamento não só por uma das duas principais famílias políticas europeias, mas também por partidos de outra relevante família europeia, que, até agora, tinham estado fora da área do poder executivo constitucional em Portugal.

Ainda que com raízes que vêm de área doutrinária diversa daquelas em que se insere a atual maioria parlamentar, como Presidente de todos os portugueses, que sou, sinto que é essencial pacificar, desdramatizar, cicatrizar feridas, reconstruir consensos.

A minha mensagem é, pois, clara, Senhoras Deputadas, Senhores Deputados: estabilidade, recusa de crises políticas a somar às questões económicas e sociais, procura de convergências alargadas, reforço do sistema financeiro – de que um passo recente pode ser um bom sinal –, capacidade para realizar reformas administrativas, judiciais, de qualificação humana, de capitalização das empresas e de coesão social e o desejo sincero de que tenha pleno sucesso o caminho exigente de compatibilização entre rigor financeiro e preocupações sociais, assentes em crescimento também pelo dinamismo do mercado interno.

Senhor Presidente, Senhoras e Senhores Deputados, sou um europeísta incorrigível. A Europa com que sonhei e sonho, e sonha a maioria esmagadora dos portugueses, enfrenta novos desafios, bem mais complicados do que os que defrontou no passado. São eles que nos dizem que não é tempo de vacilar ou de claudicar.

A reflexão sobre o futuro da União deve dar nova vida a um modelo que permitiu à Europa atravessar um período de paz e prosperidade, antes desconhecido na sua História milenar. Há que continuar, afastando comportamentos xenófobos, combatendo nacionalismos exacerbados, rejeitando chauvinismos estéreis, recusando isolacionismos de outrora. É só por si, desde já, um imenso e invejável legado que urge dilatar e prolongar.

O debate sobre a União Europeia, tendo presentes os novos desafios, só será porém frutuoso se assentar num diálogo constante com os cidadãos da Europa, respeitando as suas legítimas aspirações a viverem num espaço de segurança, liberdade e justiça, crescimento, emprego, bem-estar e solidariedade. E é por isso também essencial que os líderes europeus e nacionais estejam atentos a estas aspirações, olhando à vontade manifestada nos termos próprios das nossas sociedades democráticas, o que obriga a maior pedagogia europeia e a maior proximidade dos cidadãos.

A Europa com que eu sonho quer manter-se unida e solidária, interna e externamente, atenta a possíveis chegadas, desejando que não haja partidas. Buscando sempre soluções conjuntas para os efeitos sociais das guerras em zonas vizinhas, nomeadamente no caso dos refugiados, caso em que Portugal tem sido um exemplo. Em proporção da sua população, sendo, porventura, o principal ou dos principais países europeus a mostrar disponibilidade para acolher e incluir refugiados no seio da sociedade portuguesa. Situação esta que exige que as questões de fundo não sejam esquecidas, sob a premência de meros acordos de curto prazo, que todos desejamos não se revelem questionáveis ou insuficientes.

A Europa com que sonho, que já triunfou tantas vezes sobre a barbárie e os totalitarismos, saberá também vencer as ameaças do fanatismo religioso e político e do terrorismo. Para tanto, agindo solidariamente perante difíceis contextos e dramáticos efeitos, traduzidos em atentados que a nenhum título podem deixar de ser incondicionalmente condenados. E aqui fica expressa, novamente, a minha solidariedade para com a França e a Bélgica.

A Europa com que sonho ambiciona ter um peso político mundial correspondente ao seu peso comercial, para o que importa que a sua voz seja cada vez mais ouvida e continue a liderar efetivamente causas universais, como, entre outras, a da transparência financeira, que não pactue com a descredibilização dos sistemas, das instituições e dos protagonistas democráticos e a da justiça ambiental intergeracional.

A Europa com que sonho quer ver a Política e o Direito a acompanharem o ritmo da realidade científica, técnica, económica, social e cultural. Uma Europa que recupere os povos, os eleitorados, os mais jovens, os esquecidos no termo das suas carreiras profissionais, para uma causa que combata o pessimismo e o ceticismo militante.

A Europa com que eu sonho tem em Portugal e por essa União fora uma imensa legião de sonhadores a comungarem do mesmo sonho: uma Europa com um projeto portador de liberdade, de justiça, de democracia, de solidariedade, de transparência e de enraizamento popular.

A Europa com que eu sonho tem Portugal na linha da frente desse combate e é – e tem de ser – otimista. Senão, deixa de ser Europa. Senão, deixa de ser símbolo de futuro.

The Europe that I dream of keeps in its memory what Portugal in the strength of its simplicity brought to and from other continents, cultures and civilisations, and that enriches us so much. The Portugal that I have brought with me today crossed seas and faraway lands but never forgot that it belongs to the lands of Homer, Shakespeare, Goethe, Proust, Cervantes, Dante, Joyce, Strindberg, Kundera, Kafka, Szymborska and Pessoa, and many, many others. We are Europeans; we will always be Europeans. Thank you very much.

(Applause)

 


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