Cadeira Vazia no Prémio Sakharov 2010

15 de Dezembro, 2010

O dissidente cubano Guillermo Fariñas, vencedor do Prémio Sakharov deste ano, foi representado em Estrasburgo por uma cadeira vazia, visto que não teve autorização para sair do país.

"Mesmo que activistas, como Guillermo Fariñas, sejam perseguidos e encarcerados, a sua voz não pode ser silenciada. O papel do Parlamento Europeu é amplificar a sua voz. O Prémio Sakharov do Parlamento Europeu simboliza a luta pelos direitos humanos em todo o mundo. A cadeira vazia para o laureado deste ano, Guillermo Fariñas, é o melhor exemplo de como esta luta é importante", disse o Presidente do Parlamento Europeu, Jerzy Buzek.

Expressando ao Parlamento Europeu a sua gratidão "por não abandonar o povo cubano neste combate de mais de meio século em prol da democracia", Fariñas afirmou que só aceita o Prémio Sakharov para a Liberdade de Pensamento "porque me sinto como uma pequena parcela desta rebelião que alimenta este povo a que pertenço com orgulho e honra".

Numa gravação áudio enviada ao Parlamento Europeu, Guillermo Fariñas criticou o governo de Havana: "Para desventura dos que nos desgovernam na nossa própria Pátria, considero que o facto de não poder sair desta ilha onde nasci e poder voluntariamente regressar é já por si mesmo a prova mais concludente de que, infelizmente, nada se alterou no sistema autocrático do meu país".

Fariñas pediu aos eurodeputados "que não se deixem enganar pelos cantos de sereia de um regime cruel de comunismo selvagem" quando analisem a política da UE em relação a Cuba. Segundo Fariñas, uma mudança de direcção nas relações da UE com o seu país só deve acontecer quando forem satisfeitos cinco pontos por Cuba:

 

  • prosseguir a libertação, sem desterro, de todos os presos políticos e de consciência e comprometer-se publicamente a nunca encarcerar os opositores políticos não violentos;

 

  • renunciar imediatamente às ameaças e violências contra os opositores pacíficos dentro do país, perpetradas por partidários militares e paramilitares do regime;

 

  • anunciar que serão examinadas e revogadas todas as leis cubanas que são incompatíveis com a Declaração Universal dos Direitos do Homem;

 

  • promover, na prática diária, a criação de partidos políticos de oposição e permitir o desenvolvimento de meios de comunicação não sujeitos ao sistema de "socialismo de Estado", bem como sindicatos independentes e qualquer outro tipo de entidades sociais pacíficas;

 

  • aceitar publicamente que todos os cubanos da diáspora têm o direito de participar na vida cultural, económica, política e social de Cuba.

 

Guillermo Fariñas

Psicólogo e jornalista, Guillermo Fariñas, de 48 anos, tem denunciado o regime castrista. Fundou a "Cubanacán Press," uma agência noticiosa independente, com vista a sensibilizar o resto do mundo para o destino dos prisioneiros políticos em Cuba.

Fariñas fez 23 greves de fome ao longo dos anos, como forma de protesto contra o regime cubano. A última durou 135 dias, terminando a 8 de Junho deste ano, depois de o governo de Havana ter anunciado a libertação de 52 prisioneiros políticos. Em 2006 entrou em greve de fome para protestar contra a censura na Internet e apelar à liberdade de acesso à Internet para todos. Nesse mesmo ano foi galardoado com o Prémio Ciber-Liberdade Repórteres sem Fronteiras.

Em Julho de 2010, Fariñas esteve perto da morte, após uma greve de fome de cinco meses, iniciada a 24 de Fevereiro, na sequência do falecimento de Orlando Zapata Tamayo, um activista político que morreu depois de uma greve de fome de 80 dias.

Guillermo Fariñas é o terceiro vencedor do Prémio Sakharov oriundo de Cuba, depois de Oswaldo José Payá Sardiñas, em 2002, e das Damas de Branco, em 2005. O prémio inclui 50 mil euros.

Cerimónia com uma cadeira vazia - não é a primeira vez

Não é a primeira vez que o Prémio Sakharov é entregue na ausência de um laureado. Em 2008, o activista chinês mais proeminente na área dos direitos humanos, Hu Jia, também não pôde estar presente por estar encarcerado, tendo a sua mulher, Zeng Jinyan, enviado uma mensagem em seu nome. Noutros casos, como o de Aung San Suu Kyi, em 1991, e o das Damas de Branco, em 2005, estiveram presentes familiares ou outros representantes dos vencedores. Até agora, ainda não puderam receber o prémio pessoalmente.

Prémio Sakharov

O Prémio Sakharov, atribuído anualmente desde 1988, recompensa personalidades que lutam pelos direitos humanos e pela democracia em todo o mundo. A exemplo do dissidente russo Andrei Sakharov (1921-1989), os laureados testemunham a coragem que é necessária para defender os direitos humanos e a liberdade de expressão. O prémio é entregue todos os anos em Dezembro, numa cerimónia solene realizada no hemiciclo de Estrasburgo.

segue (na tradução portuguesa) o texto integral da Declaração de Farinas (original em espanhol, registo audio, só voz):

 

MENSAGEM AO PARLAMENTO EUROPEU

 

 

Santa Clara, 14 de Dezembro de 2010

 

Exmo. Sr. Jerzy Buzek, Presidente do Parlamento Europeu,

 

Exmas. Senhoras e Senhores Vice-Presidentes e deputados europeus deste fórum democrático e plurinacional,

Infelizmente para a tolerância que tanta falta nos faz neste planeta conturbado, não posso estar entre vocês, em representação do rebelde povo cubano e da parte dos cidadãos do país que já perderam o medo ao governo totalitário que nos reprime há um vergonhoso período de 52 anos e cujo exemplo mais recente é o mártir Orlando Zapata Tamayo.

Para desventura dos que nos desgovernam na nossa própria Pátria, considero que o facto de não poder sair desta ilha onde nasci e poder voluntariamente regressar é já por si mesmo a prova mais concludente de que, infelizmente, nada se alterou no sistema autocrático do meu país.

No espírito dos actuais governantes cubanos, nós, cidadãos deste país, somos o que foram os meus antepassados sequestrados em África e trazidos à força para a América durante os séculos passados. Para que eu próprio ou qualquer outro simples cidadão possa viajar para o estrangeiro, é necessário dispor de uma carta de liberdade, como antes necessitavam os escravos, com a única diferença de hoje a carta se chamar carta branca.

A minha maior esperança é que não se deixem enganar pelos cantos de sereia de um regime cruel de "comunismo selvagem", cuja única aspiração, após ter simulado mudanças económicas imaginárias, é que a União Europeia e o Parlamento Europeu suspendam a posição comum e possam beneficiar dos créditos e investimentos com que a União, no âmbito do Acordo de Cotonu, fornece ajuda aos países do terceiro mundo.

Certamente que ao vosso lado vão estar antigos presos políticos ou de consciência recentemente encarcerados pelo "comunismo selvagem". Seria um erro pensar que foram postos em liberdade. Tanto eles como as suas famílias suportam um "exílio psicológico" dado que os seus entes mais queridos são alvo dos abusos do governo neo-estalinista cubano.

Nós, os opositores pacíficos no interior do país, que sofremos estóica e racionalmente todas as dificuldades materiais ou espirituais, bem como o perigo de perder a liberdade e, inclusive, a vida, fazemos parte da população nacional mais desfavorecida. Aqui, em Cuba, todos sofremos sem nos queixarmos; é, por isso, que aspiramos a contar com o vosso apoio.

Senhoras e Senhores Deputados, peço-vos que não cedam às reivindicações da elite governamental cubana enquanto não forem satisfeitos os seguintes cinco pontos:

Primeiro: prosseguir a libertação, sem desterro, de todos os presos políticos e de consciência e comprometer-se publicamente a nunca encarcerar os opositores políticos não violentos;

Segundo: renunciar imediatamente às ameaças e violências contra os opositores pacíficos dentro do país, perpetradas por partidários militares e paramilitares do regime;

Terceiro: anunciar que serão examinadas e revogadas todas as leis cubanas que são incompatíveis com a Declaração Universal dos Direitos do Homem;

Quarto: promover, na prática diária, a criação de partidos políticos de oposição e permitir o desenvolvimento de meios de comunicação não sujeitos ao sistema de "socialismo de Estado", bem como sindicatos independentes e qualquer outro tipo de entidades sociais pacíficas;

Quinto: aceitar publicamente que todos os cubanos da diáspora têm o direito de participar na vida cultural, económica, política e social de Cuba.

Neste momento histórico crucial que atravessa a minha pátria, Vossas Excelências e todos os homens e mulheres de boa vontade do mundo devem estar atentos às contínuas explosões sociais e aos protestos que surgem no país e que resultam da frustração perante a arrogância de um governo que poderia dar a ordem de exterminar os meus compatriotas.

Esperemos que Deus não permita que ocorra uma guerra civil inútil entre os cubanos devido à cegueira em não reconhecer que o "socialismo de Estado" enquanto modelo político foi e é um fracasso em todas as zonas geográficas onde se pretendeu implantá-lo. Este facto foi reconhecido pelo próprio líder histórico da falsamente designada Revolução cubana perante a imprensa estrangeira.

Os velhos governantes cubanos não querem compreender, no seu desprezo quotidiano pelos seus súbditos, que deveriam ser servidores do Estado e que todos os verdadeiros servidores do Estado dão aos seus compatriotas a possibilidade de os substituir ou reeleger. Nenhum governante deve querer ser servido pelos seus administrados, como acontece em Cuba.

Juntamente com as minhas irmãs e os meus irmãos de luta que partilham as ideias democráticas, tanto os que estão ainda encarcerados como os que aparentemente se encontram em liberdade nas ruas e os que foram obrigados a seguir o duro caminho do exílio, prosseguiremos a nossa luta não violenta e desigual contra a repressão castrista e, com a ajuda de Deus, ganhá-la-emos sem efusão de sangue.

Se algo faço juntamente com os meus colegas dissidentes, é banir da minha alma qualquer rancor contra os meus adversários políticos. Uma verdade, que faz de nós seres humanos superiores para a reconstrução da pátria, é que, no decurso desta luta, aprendi a guiar-me pelas palavras do primeiro dissidente conhecido, Jesus Cristo: "Amai os vossos inimigos".

Agradeço ao Parlamento Europeu por não abandonar o povo cubano neste combate de mais de meio século em prol da democracia. Só aceito este Prémio Andreï Sakharov para a Liberdade de Pensamento 2010 que agora me foi conferido porque me sinto como uma pequena parcela desta rebelião que alimenta este povo a que pertenço com orgulho e honra.

Senhoras e Senhores Deputados, estou-vos infinitamente grato por este gesto revelador de que não esquecem as calamidades que suportamos e que traz para mais perto da minha pátria a luz da liberdade.

Deus queira que, em breve, seja possível em Cuba a reconciliação entre os seus filhos e que esta terra seja abençoada pela democracia.

 

Guillermo Fariñas Hernández

Licenciado em Psicologia

Bibliotecário e jornalista independente, antigo preso político por três vezes