Remar contra a Maré

14 de Fevereiro, 2015

Os que cedem a sua liberdade essencial por um pouco de segurança provisória não merecem nem liberdade nem segurança.

Benjamin Franklin

 

As balas assassinas que, em Paris, mataram jornalistas, humoristas, polícias e judeus não podem nem devem ter o poder de ferir também as nossas liberdades.

Compreendo a consternação que percorreu o Mundo.  Eu também levantei alto e com emoção, no próprio hemiciclo do Parlamento Europeu, a placa preta e branca que dizia "Eu sou Charlie".

Mas não compreendo a facilidade com que alguns se apressaram a tirar partido do sentimento de insegurança para reciclar um conjunto de medidas velhas e discursos repetidos.

E logo alguns, invocando o combate ao terrorismo, se debruçaram sobre o que ? erradamente ? designaram por combatentes estrangeiros (foreign fighters) enquanto outros apressadamente reclamaram a reintrodução de fronteiras dentro do espaço Schengen.

Não ignoro que estamos perante novos fenómenos de terrorismo, aos quais é necessário dar resposta . Mas parece-me evidente que não podemos associar imigração a terrorismo e não podemos, a pretexto de “mais” segurança, restringir a liberdade de 500 milhões de europeus de tal forma que a colocamos em causa.

Nos últimos 30 anos o espaço Schengen tem vindo a ser construído e aperfeiçoado, procurando os equilíbrios inerentes a uma cooperação tão aprofundada entre Estados. Para o seu bom funcionamento foi essencial – e permanece – a confiança mútua, apenas alcançável através de medidas que compensem a perda de controlo sobre as fronteiras internas: o Sistema de Informação Schengen, a cooperação policial e judiciária, regras harmonizadas para o controlo das fronteiras externas.  Mas porque o sistema terá sempre imperfeições, também foram criadas válvulas de segurança: em casos excepcionais podem ser reintroduzidos controlos das fronteiras por vontade soberana de cada Estado-Membro quer comunicada com antecedência, quer sem pré-aviso em casos de urgência que requerem resposta imediata.

Este ano, graças ao papel do Parlamento Europeu, entra em funcionamento o Novo Sistema de Avaliação Schengen que permitirá um controlo imparcial, liderado pela Comissão Europeia e com novas funcionalidades como visitas surpresa a qualquer país. Passamos a ter um instrumento eficaz para detectar os problemas que existem nas fronteiras externas e para adoptar as medidas que se impõem para os corrigir.

Sob a pressão das emoções, há que reagir com a cabeça fria.  É mais sensato tirar melhor partido dos instrumentos que já temos e corrigir o que não está ainda a funcionar devidamente, do que nos apressarmos a adoptar medidas que acabem por contribuir para a erosão das nossas liberdades essenciais.  Porque como dizia Benjamin Franklin, grande cientista e um dos pais da Constituição americana, nesse caso, não merecemos nem liberdade nem segurança.  E é isso que importa hoje recordar mesmo que, contra a maré.


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