Directiva do Retorno: Repor a Verdade !

3 de Julho, 2008

Os últimos dias têm sido pródigos em críticas violentas contra a aprovação pelo Parlamento Europeu de uma Directiva sobre o retorno dos imigrantes ilegais.  O Presidente Venezuelano, Hugo Chavez, ameaçou os Países europeus com represálias económicas e diversos comentadores não pouparam nos adjectivos sendo o mais utilizado o da "vergonha".

 

Esta Directiva envergonha a Europa?  Creio que não !

 

Muito do que tem sido dito e escrito resulta de falta de informação e da leitura apressada que alguns meios de comunicação social fizeram das normas que aprovámos.  Vejamos cada uma das questões mais polémicas:

 

 

1. É NECESSÁRIA UMA POLÍTICA DE RETORNO ?

 

Só por demagogia se pode sustentar que a Europa tem condições para acolher todos os que querem vir para .  A política de portas escancaradas é uma falsa ilusão: mesmo que fosse possível, criaria ainda mais problemas.

 

Os Imigrantes são seres humanos que legitimamente procuram no país de destino as oportunidades que não encontram no seu país de origem.  Portugal foi, durante muitos anos, país de emigração e os portugueses defrontaram-se com várias dificuldades nos países para onde emigraram.  Hoje que somos país de imigração não devemos ter falta de memória.

 

Os imigrantes devem ser acolhidos, ter direitos e apoios sociais e serem integrados nas nossas sociedades.  Proceder de outra forma seria esquecermos o respeito pelos Direitos Humanos e favorecer fenómenos de guetização e marginalidade.

 

Por isso a política europeia para a imigração deve favorecer e regular a imigração legal e combater a imigração ilegal que nega direitos e escraviza pessoas.  Combater e desencorajar a imigração ilegal passa por perseguir criminalmente quem lucra com esse "negócio" e devolver à origem os imigrantes ilegais.

 

Se não houver uma política de retorno não há dissuasão, somos coniventes com a imigração ilegal que aceitamos como inevitabilidade e aceitamos que todos possam ficar entrem legal ou ilegalmente.

 

2- É NECESSÁRIA UMA DIRECTIVA ?

 

A liberdade de circulação entre os países da UE leva a que cada vez mais faça menos sentido adoptar políticas nacionais radicalmente distintas das dos países vizinhos.  Uma abordagem europeia tem vindo a ser assim reivindicada.  A alternativa é continuar a haver apenas normas nacionais bem diferentes umas das outras e, em muitos casos, excessivamente severas para os imigrantes ilegais não lhes reconhecendo direitos básicos.

 

É assim bem vinda uma Directiva europeia com normas mínimas comuns que garantam um regresso digno dos imigrantes em situação ilegal, ponha fim às zonas "cinzentas" que ainda persistam, e assegurem um maior controlo democrático e jurisdicional.

 

3- A DIRECTIVA É BOA OU MÁ ?

 

Ao fixar regras mínimas comuns, a Directiva seria "boa" no caso dos países cuja legislação é mais dura para os imigrantes ilegais e seria "má" para os países com legislação mais generosa que assim se vissem obrigados a "endurecer" as suas normas.

 

A Directiva porém estabelece que não devem ser afectadas as disposições mais favoráveis existentes nos Estados-Membros (é o caso português em muitos aspectos, onde o Governo já declarou que irá manter a legislação actual).

 

Assim sendo, ao contrário do que tem sido dito, a Directiva é boa porque humaniza legislações mais severas e não obriga os outros Estados a endurecer as suas normas.

 

4- A DIRECTIVA PREVÊ A PRISÃO DOS IMIGRANTES ILEGAIS ?

 

Muito pelo contrário, o facto de ser imigrante ilegal não é suficiente para justificar a detenção.  A detenção preventiva só deverá ser utilizada como forma de prevenir o risco de fuga e caso não seja suficiente aplicar medidas coercivas menos severas.

 

A definição de risco de fuga foi restringida, terá que ser avaliado em cada caso individual, com base em critérios objectivos.

 

As ordens de detenção terão que ser dadas por escrito e terão de ser justificadas.  Se a ordem tiver sido dada por uma autoridade administrativa, há direito a uma revisão judicial.  As razões para manter o imigrante ilegal em detenção deverão ser regularmente reapreciadas por uma autoridade judicial.

 

A detenção deverá ser, assim, uma medida de último recurso, justificada, em condições dignas e deve durar o menor tempo possível.  Cada Estado Membro deverá estabelecer um período limitado de detenção, que não poderá exceder seis meses.  Em casos específicos, este período poderá ser estendido por mais 12 meses.

 

Apenas 8 dos 27 Estados-Membros (onde se inclui Portugal, com 2 meses) prevêem uma duração inferior a 6 meses.  Sem esta Directiva não seria possível melhorar a situação nos outros Estados-Membros e designadamente naqueles que não prevêem qualquer período máximo de detenção (como, entre outros, a Dinamarca, Finlândia ou Países Baixos).

 

5- A DIRECTIVA IMPEDE O REGRESSO DOS IMIGRANTES ILEGAIS ?

 

Com a interdição de entrada pretende-se conferir maior credibilidade à política de retorno evitando que o imigrante ilegal volte a tentar entrar no território da União durante um espaço de tempo determinado.

 

Ao contrário do que sucede com a Áustria, Dinamarca e França (que podem aplicar uma interdição ilimitada), a interdição de readmissão terá a duração de 5 anos e passa a ser válida em toda a União.

 

Circunstâncias diversas podem ser consideradas para obviar a esta interdição como a boa conduta ou o facto de serem vítimas de tráfico de seres humanos.  Exceptuados estarão os imigrantes ilegais que optarem pelo regresso voluntário (passam a estar numa situação mais favorável do que a dos expulsados e podem voltar a imigrar legalmente).

 

6 - A DIRECTIVA DESPROTEGE OS IMIGRANTES ?

 

A Directiva reforça os direitos dos imigrantes legais estabelecendo garantias que não existem na maior parte das legislações nacionais.

 

As pessoas em questão deverão receber a decisão numa língua que entendam.

 

Tal como já tinha sido consagrado na Directiva de asilo, assegura-se o direito a assistência legal gratuita.  Os Estados-Membros deverão assegurar que o imigrante tenha a possibilidade de obter a assistência e a representação de um advogado e, se necessário, os serviços de um intérprete.  O apoio judiciário gratuito deve ser assegurado a quem não disponha de recursos suficientes.

 

7- A DIRECTIVA EXPULSA MENORES SEM MISERICÓRDIA ?

 

O Parlamento Europeu conseguiu introduzir um artigo novo, relativo ao retorno de menores não acompanhados onde estão consagradas salvaguardas adicionais: apoio de organizações independentes e a regra que os menores não acompanhados apenas podem ser retornados para a sua família ou alguém que detenha a responsabilidade parental sobre essa criança.

 

São, igualmente, previstas condições específicas para o caso de detenção de crianças. As crianças não acompanhadas e as famílias com crianças só poderão ser detidas como medida de último recurso e pelo período mais curto possível.  As crianças detidas deverão ter acesso a actividades lúdicas ou recreativas adequadas à sua idade e, dependendo da duração da permanência, acesso à educação.  As crianças não acompanhadas deverão, na medida do possível, ser alojadas em estabelecimentos que disponham de pessoal e de instalações adequados às necessidades das crianças da sua idade.

 

8- O PARLAMENTO EUROPEU DEMONSTROU INSENSIBILIDADE E INTRANSIGÊNCIA ?

 

Muito pelo contrário, devem-se ao Parlamento Europeu todas as iniciativas de melhorar o texto da Directiva.  São exemplo disso, entre outros:

- a proibição de retorno para qualquer país terceiro (diferente do de origem ou de trânsito);

- considerar que o mero facto de ser ilegal não é condição suficiente para a detenção;

- a consagração dos princípios - Direitos das crianças, vida familiar, estado de saúde, não-repulsão;

- o favorecimento do regresso voluntário;

- salvaguardas adicionais para os menores não acompanhados;

- o direito de receberem a decisão numa língua que compreendam;

- o princípio da assistência legal gratuita;

- a detenção em centros especializados sujeita à fiscalização obrigatória por parte de ONGs.

 

Se outras propostas não puderam ser aceites foi porque o Conselho de Ministros da UE demonstrou acentuada intransigência.  Os Governos decidiram por unanimidade e não permitiram ao Parlamento Europeu mais alterações.

 

Curiosamente os mesmos Governos (incluindo o Governo português) têm primado pelo silêncio porventura pretendendo ignorar as suas responsabilidades no processo e lançar o odioso para cima do Parlamento Europeu que foi a única instituição que tentou introduzir uma dimensão mais humana nesta Directiva Europeia.

 

É verdade que tratando-se de co-decisão o PE poderia "chumbar" a Directiva recusando a chantagem do Conselho.  Se o fizesse porém não haveria normas europeias comuns, apenas leis nacionais e isso seria não apenas pior para os imigrantes ilegais como uma machadada na tentativa de construção de uma política europeia de migração.