Parlamento Europeu aprova Resolução sobre os voos da CIA

19 de Fevereiro, 2009

Resolução do Parlamento Europeu sobre a alegada utilização pela CIA de países europeus para o transporte e a detenção ilegal de prisioneiros

O Parlamento Europeu,

    Tendo em conta os instrumentos internacionais, europeus e nacionais em matéria de direitos humanos e liberdades fundamentais, bem como sobre a proibição da detenção arbitrária, de desaparecimentos forçados e da tortura, como o Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos, de 16 de Dezembro de 1966, e a Convenção contra a Tortura e outras Penas ou Tratamentos Cruéis, Desumanos ou Degradantes, de 10 de Dezembro de 1984, bem como os respectivos protocolos relevantes,

    Tendo em conta o relatório sobre as conclusões da Comissão Temporária sobre a Alegada Utilização pela CIA de Países Europeus para o Transporte e a Detenção Ilegal de Prisioneiros (TDIP), bem como outros relatórios e resoluções sobre este assunto, nomeadamente o trabalho do Conselho da Europa nesta matéria,

    Tendo em conta a sua Resolução de 4 de Fevereiro de 2009 sobre o regresso e a reinstalação dos detidos no centro de detenção de Guantânamo[1],

   Tendo em conta a carta endereçada pelo seu Presidente aos parlamentos nacionais sobre o seguimento dado pelos Estados-Membros ao relatório da Comissão Temporária TDIP,

    Tendo em conta o n.º 4 do artigo 103.º do seu Regimento,

A.  Considerando que o seu relatório sobre a alegada utilização pela CIA de países europeus para o transporte e a detenção ilegal de prisioneiros endereçava uma série de 46 recomendações circunstanciadas aos Estados-Membros, à Comissão e ao Conselho,

B.  Considerando que, desde a aprovação do referido relatório, teve lugar nos Estados-Membros  uma série de ocorrências, nomeadamente:

          as declarações do Ministro dos Negócios Estrangeiros do Reino Unido sobre dois voos norte-americanos de entregas extraordinárias que transportavam dois prisioneiros e que aterraram em território britânico em 2002, a elaboração de uma lista de voos suspeitos a enviar às autoridades norte-americanas com um pedido de que fossem dadas garantias específicas de que os voos em questão não haviam sido utilizados para entregas de detidos, bem como as declarações do Primeiro-Ministro a este respeito, a submissão pelo Ministro do Interior do Reino Unido ao Procurador-Geral da questão das eventuais infracções penais cometidas pelo MI5 e pela CIA relativamente ao tratamento dado a Binyam; a decisão do Supremo Tribunal, de 5 de Fevereiro de 2009, em que este declarava não lhe ser possível ordenar a divulgação de informações sobre a alegada tortura de Binyam Mohamed, pelo facto de o Ministro dos Negócios Estrangeiros do Reino Unido ter afirmado que os Estados Unidos haviam ameaçado o Reino Unido com o bloqueio da partilha de informações de segurança sobre terrorismo e a interposição de recurso da decisão com base em dúvidas sobre a veracidade dessa afirmação,

          a decisão do Primeiro-Ministro polaco de facultar aos procuradores documentos sobre os voos e prisões da CIA, bem como as conclusões do Procurador Público polaco, segundo as quais mais de uma dúzia de voos da CIA haviam utilizado o aeroporto de Szyman, confirmando, deste modo, as conclusões da Comissão Temporária TDIP,

          as declarações do Ministro dos Negócios Estrangeiros espanhol, proferidas no Parlamento espanhol, clarificando as informações publicadas pelo jornal El País a respeito de voos militares de transporte de detidos,

          a imposição do segredo de Estado por alguns governos no que se refere a informações relevantes para os inquéritos sobre entregas de detidos, como foi o caso em Itália, onde o processo relativo à entrega de Abu Omar se encontra agora suspenso e onde se aguarda a decisão do Tribunal Constitucional sobre a legitimidade da invocação do segredo de Estado,

C.  Considerando que, em 3 de Fevereiro de 2009, o Comissário da UE responsável pela liberdade, segurança e justiça declarou no Parlamento Europeu que havia tomado uma série de medidas visando aplicar as recomendações do Parlamento, incluindo o envio de uma carta às autoridades polacas e romenas, solicitando-lhes que revelassem toda a verdade sobre a alegada existência de prisões secretas nos respectivos territórios, e a publicação de uma comunicação propondo novas medidas em matéria de aviação civil,

D.  Considerando que as entregas extraordinárias de detidos e a sua detenção secreta são contrárias ao direito internacional em matéria de direitos humanos, à Convenção da ONU contra a Tortura, à Convenção Europeia dos Direitos do Homem e à Carta dos Direitos Fundamentais, e que as autoridades norte-americanas estão actualmente a rever estas práticas,

E.   Considerando que os prisioneiros raptados em alguns Estados-Membros no âmbito do programa de entregas extraordinárias foram transportados para Guantânamo ou outros Estados pelas autoridades norte‑americanas, em aviões militares ou da CIA, que muitas vezes sobrevoaram o território da UE e, em alguns casos, fizeram escala em Estados-Membros da UE; que os prisioneiros levados para países terceiros foram submetidos a tortura em prisões locais,

F.   Considerando que alguns Estados-Membros efectuaram diligências junto das autoridades norte-americanas, solicitando a libertação e repatriação das pessoas que haviam sido objecto de entregas extraordinárias e que são nacionais desses Estados-Membros ou haviam anteriormente residido no seu território; que funcionários de alguns Estados-Membros tiveram acesso aos prisioneiros de Guantânamo ou de outros centros de detenção e os interrogaram, a fim de verificar as acusações contra eles aduzidas pelas autoridades dos EUA, conferindo, assim, legitimidade à existência desses centros de detenção,

G.  Considerando que, segundo o seu relatório, e que factos posteriores confirmaram, vários Estados-Membros da UE estiveram envolvidos ou cooperaram, activa ou passivamente, com as autoridades norte-americanas no transporte ilegal de prisioneiros, e/ou na sua detenção, pela CIA e pelas forças militares dos EUA, para Guantânamo e para as "prisões secretas", cuja existência o Presidente Bush reconheceu – como provam algumas informações recentemente divulgadas sobre a autorização, pelos governos, dos pedidos de autorização dos EUA para sobrevoarem o seu território e pelas informações governamentais sobre as prisões secretas – e que os Estados-Membros da UE têm uma certa quota-parte de responsabilidade política, moral e legal pelo transporte e detenção das pessoas detidas em Guantânamo e em centros de detenção secretos,

H.  Considerando que o Senado norte-americano ratificou o acordo UE-EUA sobre extradição e assistência judiciária mútua, que foi ratificado por todos os Estados-Membros com excepção da Itália,

I.    Considerando que as ordens executivas do Presidente Obama de 22 de Janeiro de 2009, embora constituam um grande passo em frente, não parecem acometer plenamente as questões da detenção secreta e do rapto ou recurso à tortura,

1.   Denuncia a não adopção, até ao momento, de qualquer acção por parte dos Estados-Membros e do Conselho no sentido de clarificar o programa de entregas extraordinárias e de implementar as recomendações do Parlamento; deplora que não tenham sido satisfatórias as respostas dadas pelo Conselho ao Parlamento em 3 de Fevereiro de 2009;

2.   Insta os Estados-Membros, a Comissão e o Conselho a implementarem plenamente as recomendações formuladas pelo Parlamento no âmbito do seu relatório sobre a alegada utilização pela CIA de países europeus para o transporte e a detenção ilegal de prisioneiros e a prestarem assistência no apuramento da verdade, mediante a abertura de inquéritos ou a colaboração com os organismos competentes, a divulgação e prestação de todas as informações relevantes e garantindo a realização de um efectivo controlo parlamentar das actividades dos serviços secretos; exorta o Conselho a divulgar todas as informações relevantes sobre o transporte e detenção ilegal de prisioneiros, incluindo no quadro do COJUR; exorta os Estados-Membros e as instituições da UE a cooperarem com todos os organismos internacionais competentes, incluindo os organismos da ONU e do Conselho da Europa, e a transmitirem ao Parlamento qualquer informação relevante, relatório sobre inquéritos parlamentares ou julgamento;

3.   Insta a União Europeia e os Estados Unidos a reforçarem o diálogo transatlântico sobre uma nova abordagem comum de luta contra o terrorismo, assente nos valores comuns do respeito pelo direito internacional em matéria de direitos humanos, da democracia e do primado do direito, num quadro de cooperação internacional;

4.   Considera que os acordos UE-EUA sobre extradição e assistência judiciária mútua constituem um instrumento relevante para efeitos de adequada aplicação da lei e de cooperação judiciária em matéria de luta contra o terrorismo; congratula-se, por conseguinte, com a sua ratificação pelo Senado norte-americano e insta a Itália a ratificá-los tão rapidamente quanto possível;

5.   Congratula-se com as três ordens executivas do Presidente Obama relativas ao encerramento do centro de detenção de Guantânamo, à suspensão das actividades das comissões militares, à cessação do recurso à tortura e ao encerramento das prisões secretas no estrangeiro;

6.   Assinala, todavia, subsistirem algumas ambiguidades quanto à manutenção limitada de regimes de entrega e centros de detenção secretos, e manifesta a sua confiança quanto a que serão feitas clarificações quanto ao encerramento e proibição de todos os outros centros de detenção secretos directa ou indirectamente administrados pelas autoridades norte‑americanas nos EUA ou no estrangeiro; recorda que a detenção secreta constitui, por si só, uma grave violação dos direitos humanos fundamentais;

7.   Reitera que, em conformidade com o artigo 14.º da Convenção da ONU contra a Tortura, qualquer vítima de um acto de tortura tem o direito de obter uma reparação e de ser indemnizada em termos adequados;

8.   Regozija-se com a próxima visita ao Estados Unidos, em 16 e 17 de Março, do Comissário responsável pela liberdade, segurança e justiça, da Presidência checa e do Coordenador da Luta contra o Terrorismo da UE, e insta os representantes da UE a levantarem a questão das entregas extraordinárias e dos centros de detenção secretos, atendendo a que constituem graves violações do direito internacional e do direito europeu em matéria de direitos humanos; exorta o Conselho "Justiça e Assuntos Internos" de 26 de Fevereiro a adoptar uma posição firme sobre este assunto e a debater a questão do encerramento de Guantânamo e a reinstalação dos detidos, tendo devidamente em conta a resolução do Parlamento sobre este assunto;

9.   Exorta a União Europeia, os Estados-Membros e as autoridades norte‑americanas a investigarem e esclarecerem cabalmente os abusos e violações do direito internacional e do direito nacional em matéria de direitos humanos, liberdades fundamentais, proibição da tortura e de maus tratos, desaparecimentos forçados e direito a um julgamento imparcial no âmbito da "guerra contra o terrorismo", com vista a apurar responsabilidades no que se refere aos centros de detenção secretos - incluindo Guantânamo - e ao programa de entregas extraordinárias, e a fim de assegurar que tais violações não se repitam no futuro e que a luta contra o terrorismo seja prosseguida sem violação dos direitos humanos, das liberdades fundamentais, da democracia e do primado do direito;

10. Insta a Comissão, o Conselho e o Coordenador da Luta contra o Terrorismo a apresentarem um relatório ao Parlamento, após a visita da delegação da UE aos Estados Unidos, sobre a aplicação dos acordos sobre extradição e assistência jurídica mútua, bem como sobre a cooperação UE-EUA no domínio da luta contra o terrorismo, garantindo simultaneamente o pleno respeito dos direitos humanos, para que a comissão competente possa abordar estas questões num relatório elaborado com base, nomeadamente, no n.º 232 do relatório da Comissão Temporária TDIP;

11. Encarrega o seu Presidente de transmitir a presente resolução ao Conselho, à Comissão, ao Alto Representante para a PESC, ao Coordenador da Luta contra o Terrorismo, aos parlamentos dos Estados-Membros, ao Secretário-Geral da NATO, ao Secretário-Geral e ao Presidente da Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa, ao Secretário-Geral das Nações Unidas, bem como ao Presidente e ao Congresso dos Estados Unidos da América.