Carlos Coelho fala sobre combate à criminalidade a Deputados do sudeste europeu (texto integral da comunicação)
"Os novos fenómenos de criminalidade e as fronteiras territoriais: Uma justiça posta a funcionar contra a criminalidade organizada"
Carlos Coelho, 28.11.02
Seminário de Informação com os Deputados dos Países do Sudeste da Europa
Gostaria de começar por recordar o disposto no artº 2 do Tratado da União Europeia, onde é definido como objectivo da U.E. "a manutenção e o desenvolvimento da União enquanto espaço de liberdade, de segurança e de justiça, em que seja assegurada a livre circulação de pessoas, em conjugação com medidas adequadas em matéria de controlos nas fronteiras externas, asilo e imigração, bem como de prevenção e combate à criminalidade".
No quadro deste objectivo, têm-se registado enormes progressos desde 1985. De facto foi em 1985 que ocorreu aquela que poderemos considerar a experiência preliminar: o Acordo de Schengen, assinado entre cinco partes contratantes (Luxemburgo, Países Baixos, Bélgica, França e Alemanha), que previa a adopção de medidas comuns relativas à abolição dos controlos nas fronteiras internas - com o objectivo de instaurar uma livre circulação de pessoas - prevendo-se, em contrapartida a aplicação de um amplo conjunto de medidas compensatórias, para reforçar o combate ao crime e evitar que a marginalidade beneficiasse da abolição das fronteiras (comunicações para efeitos de recusa de entrada, cooperação policial, extradição, cooperação na luta contra a droga, criação do SIS).
Assim, todas as políticas europeias que têm estado a ser desenvolvidas na área da Justiça e dos Assuntos Internos, têm como objectivo principal o de avançar progressivamente na construção de um Espaço de liberdade, segurança e justiça. Qualquer Estado que queira vir a partIcipar nesse espaço, terá que assegurar inequivocamente que tem a capacidade e os meios necessários para atingir níveis adequados e aceitáveis de implementação, nomeadamente no que diz respeito a áreas como o controlo de fronteiras, a emigração ilegal, o tráfico de drogas e de seres humanos, o branqueamento de capitais, o crime organizado, a cooperação policial e judiciária, a protecção de dados e o reconhecimento mútuo de decisões judiciais.
Se, por um lado, existe a liberdade de pessoas, bens, serviços e capitais poderem circular livremente por outro lado, a única coisa que está confinada às fronteiras é a Justiça: as investigações policiais e judiciais deparam-se frequentemente com dificuldades burocráticas, que por vezes são impossíveis de ultrapassar.
O facto de não existir um espaço judiciário comum tem levado ao surgimento de várias iniciativas comunitárias, no sentido de aproximar as legislações, reforçar a cooperação quer policial, quer judicial, criar equipas de investigação comuns, e recentemente a criação de um mandato de captura europeu. Pretende-se, deste modo, substituir o sistema tradicional de cooperação em matéria criminal (baseado nas cartas rogatórias e na extradição), que se tornou inadequado para combater a criminalidade organizada que adquiriu uma escala internacional e se serve dos meios mais sofisticados, procurando tirar proveito das diferenças existentes entre os vários sistemas jurídicos nacionais.
Esta cooperação não pode, nem deve, porém, limitar-se aos países da União Europeia. Deverá ser estendida a toda a Europa, designadamente através de troca de informações e assistência mútua de modo a proporcionar uma visão conjunta da actividade das redes criminosas e uma melhor conexão entre as várias acções que compõe essa complexa actividade criminal. É de lamentar que neste momento a única cooperação que existe com os países do Sudeste da Europa é a nível policial através da Interpol, e a nível judicial não existem quaisquer trocas directas de informação, em que o procedimento de transmissão é tão burocrático que não se coaduna com a velocidade do fenómeno criminal dos nossos dias.
Para alguns, o Projecto europeu é sobretudo o de um grande mercado. Para outros, como eu, é um projecto que assenta nos cidadãos. Não devemos esquecer que a motivação originária da construção comunitária foi o desejo da paz e estabilidade, reforçado pelos horrores da II Guerra Mundial. Queremos contrariar uma história de separações, guerras e violência - as quais deverão ficar a pertencer de forma definitiva ao passado. A nossa vontade política, deve levar à abertura de novos caminhos que são os da: liberdade, segurança, justiça, cooperação e solidariedade.
Exemplo disso, foram os anos 90, uma década marcada pela guerra, desespero, morte e destruição na área Sudeste da Europa, mais concretamente na zona das Balcãs. Neste momento, desenrola-se uma fase de reconstrução e desenvolvimento - que tem contado com a ajuda e a solidariedade da União Europeia - mas que tem vindo a deparar-se com o grave problema do crescimento da criminalidade organizada e das redes mafiosas, que são, em larga medida, consequências dessas guerras. Problemas conexos e que podem parcialmente explicar esse crescimento são: uma polícia mal formada e mal paga, tribunais que não gozam de independência e/ou que têm medo de agir, um importante nível de corrupção e uma falta de garantias legais, que acabam por pôr em causa quaisquer esforços no sentido de fazer respeitar a lei no plano local. Para além disso, a criminalidade organizada mantém frequentemente ligações estreitas com as forças políticas, com as autoridades responsáveis pela segurança e com as instâncias judiciais.
A corrupção, a criminalidade organizada e as estruturas de carácter mafioso são os entraves mais graves ao avanço dos processos de paz na região dos Balcãs. Se estas estruturas não forem desmanteladas, temo que corremos o risco de falhar o enorme esforço internacional de paz e de democratização que está ser levado a cabo na zona. É essencial que se lute no sentido de se desmantelarem essas redes criminosas, criando-se paralelamente as condições propícias para o crescimento económico e para o estabelecimento de uma sociedade civil baseada na ordem e na lei. O contributo que a U.E. pode dar passa pela aplicação dos processos de estabilização e de associação, que são o instrumento principal que a União Europeia dispõe para promover as reformas que se impõem, a democracia e as garantias legais em favor dos cidadãos (a UE proporciona um suporte técnico e financeiro - com um orçamento previsto para o período de 2000 a 2006 de 4,65 mil milhões de Euros - em contrapartida de uma introdução progressiva, por parte desses países, das regras e standards comunitários), ao mesmo tempo que se criam oportunidades para o crescimento económico, para o investimento e prosperidade, que beneficiarão não só esses países, mas também o conjunto da comunidade internacional. Todos sabemos bem que a permanente instabilidade que é encorajada pelo crime organizado acaba por ameaçar todo o investimento militar, político e financeiro nessa região.
O problema da criminalidade organizada não toca, aliás, apenas os países desta região, as suas comunidades e os seus cidadãos; em larga medida são os próprios Estados Membros da União Europeia que são o alvo directo da acção destas redes criminosas, que estendem as suas ramificações até às nossas sociedades. De facto, os Balcãs constituem, hoje, o principal local de passagem das fronteiras para a U.E., para a imigração clandestina (há 2 anos atrás, as Nações Unidas estimaram que só a Bósnia serviu como porta de entrada para a Europa para mais de 50.000 imigrantes ilegais por ano), o tráfico de seres humanos (que se tornou a terceira actividade mais lucrativa para o crime organizado), o tráfico de droga, a prostituição, etc, que acabam por terminar a circular nas nossas ruas.
De acordo com uma estimativa do "National Intelligence Council", aprovada pelo Director da CIA em Dezembro de 2000, os proveitos alegadamente ganhos, anualmente, pelos grandes sectores criminais são:
- tráfico de drogas - de 100 a 300 bilhões de dólares
- tráfico de desperdícios tóxicos - de 10 a 12 bilhões de dólares
- roubos de automóveis - (apenas na Europa e nos E.U.A.) cerca de 9 bilhões de
dólares
- tráfico de seres humanos - cerca de 7 bilhões de dólares
- tráfico de cópias e falsificações de vídeos, software e outros produtos - cerca de 1
bilhão de dólares
- tráfico ilegal de armas - cerca de 290 bilhões de dólares
O volume financeiro destas redes criminosas dá-nos uma ideia do seu alcance e do seu poder.
Por todas as razões que já enumerei, é urgente que haja uma resposta forte e global a essa ameaça que é comum a todos nós. Deverá ser feito um reforço de acções efectivas contra esses grupos de criminosos, que passam necessariamente pelo estreitamento dos controlos e dos sistemas fronteiriços, construindo deste modo barreiras contra o crime organizado, mas não entre nós. Essas acções deverão levar e passar por:
- estreitamento dos serviços fronteiriços mais vulneráveis,
- reforço da democracia nesses países
- desenvolvimento da sociedade civil (com o encorajamento de um diálogo inter-
étnico)
- reforço da cooperação e troca de informações entre as várias autoridades
policiais
- intensificação da cooperação, para colmatar o problema da falta de leis ou do
seu não cumprimento
- intensificação da cooperação, para garantia de um funcionamento efectivo e
independente dos sistemas judiciais
- intensificação da luta contra a corrupção (pois qualquer instituição que tenha
na sua base a corrupção não pode ser um aliado eficiente na luta contra o crime)
- adopção de políticas, estratégias e legislação contra o crime organizado
- desenvolvimento de mecanismos de corrdenação e de cooperação entre os
países da região
- introdução do princípio de economia de mercado, com incentivos à livre
concorrência
É fundamental que ao avançarmos na criação desta Europa alargada, tenhamos cuidado para que as futuras fronteiras da União não se venham a tornar a linha de divisão entre riqueza e pobreza na Europa. Isso passa não apenas por acordos comerciais e económicos, mas também pela cooperação que deve ser reforçada no combate ao crime transnacional.
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