Carlos Coelho no 40º aniversário da DECO

10 de Outubro, 2014

Intervenção 40 anos DECO, Dep. Carlos Coelho  -

"O Novo Consumidor: Tendências para o futuro"

Lisboa, CCB, 10.Outubro.2014

 

 

Abertura

 

Agradeço à DECO o simpático convite para partilhar esta conferência de abertura com a Senhora Amanda Long e o Senhor Luca Jahier sob a presidência do Dr. Alberto Regueira por quem tenho muito respeito desde há muitos anos.

 

O Dr. Alberto Regueira cujo papel foi, há poucos minutos, justamente enaltecido pelo Senhor Presidente do Conselho Económico e Social é uma pessoa que se caracteriza por uma fortíssima honestidade intelectual, pelo rigor que empresta a tudo o que faz e pela generosidade com que abraça as causas em que acredita.

 

Parabéns DECO

 

Estou aqui para dar os Parabéns à DECO pelo apoio que tem dado aos consumidores mas sobretudo pelo insubstituível contributo para o exercício da nossa cidadania.

 

E fez muito bem o Senhor Presidente da DECO em associar, na sua intervenção, a defesa do consumidor e o exercício de cidadania e a Senhora Long que se referiu de forma impressiva à necessidade, no mundo digital, defender os nossos direitos cívicos ou seja de defender a nossa condição de cidadãos.

 

E ser hoje cidadão em Portugal é bem diferente do que isso significava há vários anos.

 

Desde logo porque não somos apenas cidadãos portugueses. Somos também cidadãos europeus e isso significa um conjunto de direitos e deveres e a possibilidade de intervir numa escala que ultrapassa as nossas fronteiras nacionais.

 

Mas não somos apenas cidadãos num conceito clássico de exercício de participação eleitoral e da relação com o Estado.

 

Parte substancial da nossa vida na sociedade e grande parte das interacções que aí estabelecemos joga-se no plano económico e reflecte-se na nossa condição de consumidores, consumidores de bens e de serviços.

 

E nessa relação, o papel da DECO e das Associações de Consumidores é fundamental. Num mundo de grandes empresas e acrescida regulamentação, cada consumidor individualmente considerado é sempre a parte mais frágil.

 

Dar mais poder aos consumidores, reforçar o seu bem-estar e proteger eficazmente a sua segurança, bem como os seus interesses económicos, tornaram-se desafios muito actuais.

 

As organizações de consumidores desempenham um papel crucial para a efectiva participação do consumidor: fornecem aconselhamento aos consumidores, monitorizam e identificam as falhas no mercado, dão aos consumidores uma voz no debate político e em alguns países são ainda envolvidos na aplicação da lei do consumidor.

 

Quero abordar 3 pontos:

 

1. A UE reconhece a importância dos Consumidores

 

O Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE), reconhece o papel central das organizações de consumidores ao afirmar que a UE deverá, nomeadamente, contribuir para a promoção do direito dos consumidores "para organizar-se, a fim de salvaguardar os seus interesses". Da mesma forma, o Conselho da União Europeia salienta o "papel vital das organizações de consumidores" e a "necessidade de levar o interesse do consumidor a partir do início, na concepção e execução das políticas sectoriais de importância fundamental para os consumidores, em particular na cadeia alimentar, energia, sectores de viagens e transportes, produtos sustentáveis, digitais e de serviços financeiros".

 

Particularmente em momentos de crise, há razões reforçadas para sublinhar o papel do consumo na Economia.

As despesas de consumo representam mais de metade do PIB da UE, sendo essenciais para a consecução dos objectivos da estratégia «Europa 2020», um crescimento inteligente, inclusivo e sustentável.

 

E há apostas estratégicas que acentuam a relevância deste sector.

 

Refiro-me em concreto à Agenda digital, ao Comércio Electrónico, ao Mercado Único Digital em especial a Discriminação dos Consumidores no Mercado único Digital.

Parece-me claro que as associações deverão estar atentas e preparadas tanto no campo da Informação como estarem atentas aos obstáculos e práticas menos correctas do Mercado.

 

2. Há consumidores e... consumidores

 

Os consumidores não são um corpo homogéneo. Pelo contrário existem consideráveis discrepâncias entre eles no que se refere às competências, ao conhecimento da legislação, à assertividade e à vontade de obter reparação.

 

O Eurobarómetro de Abril de 2011, sublinhou que as mulheres dedicam mais tempo às compras (3,7 horas numa semana típica) do que os homens (2,8 horas), e a quinta edição do Painel de Avaliação do Consumo, de Março de 2011, assinala que os consumidores ainda se deparam com condições muito diferentes em toda a UE e existem ainda categorias de pessoas particularmente vulneráveis.

 

Quando falo dos consumidores mais vulneráveis refiro-me à categoria específica dos consumidores que necessitam de uma protecção especial e de uma estratégia específica por parte das autoridades e das associações.

        crianças, adolescentes, idosos, pessoas portadoras de deficiência ou fragilizadas pela sua situação social e financeira (pessoas sobreendividadas, por exemplo) - (causas endógenas da vulnerabilidade).

        o desconhecimento da língua, a falta de formação, ou, simplesmente, a obrigatoriedade de utilizar novas tecnologias com as quais não se está familiarizado - (causas exógenas).

 

Só com uma estratégia de reforço dos direitos dos consumidores mais vulneráveis permite-se a sua participação no Mercado Único e a sua inclusão social, o que é essencial não apenas para construir uma sociedade mais justa, mas, também, para garantir um mercado interno mais dinâmico, seguro e competitivo.

 

Por isso a Agenda do Consumidor Europeu pretende responder a diversos desafios, como o reforço da posição dos consumidores e a redução dos níveis de desigualdade, o fomento de um consumo sustentável, a redução da exposição dos consumidores a produtos perigosos e a protecção dos consumidores (especialmente as crianças) da publicidade enganosa.

 

Relacionado com este ponto, vem a questão da relação dos consumidores com o mercado financeiro. Creio que aqui, dada a complexidade do sector na maioria dos casos, qualquer consumidor é vulnerável. A DECO foi neste aspecto um bom barómetro da premência desta realidade quando explodiram os pedidos de apoio por parte dos consumidores, muitas vezes em caso de desespero, vítimas de contratos financeiros que assinaram sem perceber o que estavam a assinar. A DECO lançou em Julho de 2012, "O Portal de Apoio ao Sobre-endividado" concebido com o intuito de facultar ao consumidor uma ferramenta útil e dinâmica para encontrar informações sobre endividamento excessivo e sobre-endividamento, assim como para apresentar o pedido de intervenção da DECO num processo de renegociação de créditos e acompanhar o desenvolvimento do mesmo.

 

Para lá deste papel de apoio que deve ser justamente reconhecido e elogiado há um grande esforço a fazer para aumentar a "literacia financeira" dos consumidores e aumentar a transparência e clareza das informações e procedimentos das instituições financeiras.

 

3. Um papel reforçado para as Associações de Consumidores

 

No meu entender há dois pilares base/chave que independentemente dos tempos ou avanço dos mercados definem as associações de consumidores (e que são aliás objectivos da Agenda do Consumidor Europeu): a Promoção do Conhecimento e a Melhoria na aplicação das regras e mecanismos de reparação - O papel das Associações de Consumidores aqui é vital!

 

Promover o conhecimento: para fazer face à crescente complexidade dos mercados, que exige aos consumidores instrumentos e informação adequados para poderem compreender todos os aspectos, desde o custo real do crédito à localização das entidades competentes para apresentar queixa. Este objetivo é importante para os consumidores e para os comerciantes, tendo um papel crucial as associações de consumidores.

 

Melhorar a aplicação das regras e os mecanismos de reparação, sem os quais não poderão existir direitos na prática. Esta questão é sobretudo importante tendo em conta que o prejuízo sofrido pelos consumidores europeus e que decorre dos problemas objecto de queixa foi estimado em 2010 em cerca de 0,4 % do PIB da UE (mais de 48.000 milhões de euros). O papel das redes de defesa do consumidor é fundamental

 

Apesar de sua importância, a capacidade das organizações de consumidores para cumprir as suas funções varia muito entre os Estados-Membros. A Agenda do Consumidor Europeu destaca que, particularmente aquelas organizações de consumidores que opera a nível nacional "muitas vezes não têm recursos e competências, e seu papel na canalização e filtragem das preocupações do consumidor nem sempre é devidamente reconhecido".

 

Creio que desde logo, é necessário dotar as associações com os recursos financeiros suficientes para as realidades que se confrontam no dia-a-dia. Devem ser oferecidos módulos de formação sobre técnicas e estratégias de captação de recursos para fazer face à situação financeira difícil de muitas organizações de consumidores, que para responder à especialização dos problemas dos consumidores precisam de contratar peritos altamente especializados a tempo inteiro nas matérias. Que este financiamento seja público ou privado, desde que seja transparente e não corresponda a interesses menos legítimos, não me preocupa.

 

No momento, duas organizações europeias são elegíveis para receber financiamento comunitário para ajudá-los a realizar suas actividades: a ANEC (European Association for the Coordination of Consumer Representation in  Standardisation ) e o BEUC (Bureau Européen des Unions des Consommateurs) que fazem um trabalho que é generalizadamente reconhecido.

 

Palavras finais

 

Termino, renovando os parabéns à DECO. Se é verdade que a DECO nasceu antes do 25 de Abril pela mão de um conjunto de Homens bons e visionários em que se destaca o Dr. Alberto Regueira, é também um facto que a sua longevidade confunde-se com a Democracia.

 

40 anos de Defesa do consumidor que são também 40 anos de Democracia portuguesa o que estabelece, e bem, a ligação estreita entre a protecção dos direitos das pessoas e os valores da Democracia.

 

E se é verdade que aos Estados e aos governos cabe um papel fundamental nas políticas de protecção de consumidor não será demasiado ousado citar Milton Friedman que disse que mais importante do que pedir aos governos que protejam os consumidores é necessário proteger os consumidores face aos excessos dos governos.  E isso é, sem dúvida, uma dimensão em que o papel das associações de consumidores é insubstituível.

 

Muito obrigado!