Carlos Coelho: ‘Os serviços secretos têm que partilhar mais a informação’

12 de Fevereiro, 2015

O eurodeputado social-democrata Carlos Coelho, relator do Novo Sistema de Avaliação de Schengen, afirma “não ser preciso criar novos instrumentos para combater o terrorismo”, mas defende que “os serviços secretos devem, entre si, partilhar mais a informação”.

Porque não partilha a tendência maioritária para criar o PNR [Passenger Name Record], o registo de identificação de passageiros aéreos?

Tenho perguntado: se houvesse esse controlo teriam sido evitados os atentados de Paris? E nenhum dos defensores do PNR, com honestidade, me consegue responder que sim.


O que contesta na proposta para um PNR europeu?

Estarmos a dizer que vamos controlar e registar durante vários anos todos os dados dos mais de 500 milhões de cidadãos europeus que fazem viagens aéreas. Iríamos recolher 42 elementos, entre os quais alguns de natureza pessoal, como o número de cartão de crédito, a forma de pagamento da viagem, com quem vamos, se temos deficiências ou não, assim como questões que até podem relevar das confissões religiosas, quando todas essas situações estão protegidas pela Constituição e pela lei.

Teme um clima de Estado policial generalizado na Europa?

Os terroristas não querem propriamente colocar bombas – que são um instrumento – mas sim abalar os alicerces do nosso modelo cultural, das nossas sociedades. Daí estarmos a trair os nossos valores essenciais se adoptarmos medidas securitárias puras e duras, esquecendo-nos do valor da liberdade. Estamos a permitir que os terroristas reproduzam nas nossas sociedades o tipo de regimes policiais e ditatoriais que têm nos seus países.

Não reconhece haver algo mais a fazer?

Há coisas que poderemos melhorar, não só nas boas práticas como articulando reacções policiais. Mas deveremos tirar melhor partido dos instrumentos de cooperação quer ao nível das polícias, quer ao nível das magistraturas, sendo assim mais eficazes no combate ao terrorismo. O que pode ser feito dentro dos instrumentos legais já existentes. Não precisamos de, sob a pressão dos acontecimentos, criar novos quadros jurídicos, ameaçando as liberdades fundamentais dos cidadãos europeus para sermos mais eficazes no combate ao terrorismo. Reagir a quente nunca é a melhor solução, sobretudo quando estamos a lidar com matérias que têm a ver com liberdades e direitos fundamentais. É necessário alguma sobriedade e algum rigor.


E como se resolvem os problemas de circulação dos cidadãos perigosos?

Já temos mecanismos para lidar com esses problemas. São novos, trata-se do Novo Sistema de Avaliação de Schengen, e começam este ano a funcionar. É que temos de confiar uns nos outros: os alemães nos portugueses, que fazem o seu trabalho na fronteira externa portuguesa, e assim sucessivamente.

Na prática, como funciona o sistema de avaliação de Schengen?

Permite ir a cada fronteira de surpresa – o que é a grande evolução em relação ao passado – e identificar os problemas, propondo medidas para os resolver e, no limite, se houver um Estado que não adopte o que está a ser proposto, cuja falta de reacção constitua uma ameaça para a segurança interna do Espaço Schengen, há a possibilidade de os países vizinhos reintroduzirem com carácter de continuidade os controlos de fronteira entre o Espaço Schengen e esse país.


Como avalia a proposta dos liberais para criar um serviço secreto europeu?

Não sei se precisamos dele, mas o que é claro é que os Estados têm de confiar mais uns nos outros e partilharem as suas informações. Um determinado terrorista faz um contacto em França, tendo sido identificado pelos serviços secretos franceses. Mas participou numa reunião secreta na Alemanha e depois agiu na República Checa e em Itália. Se juntarmos as informações desses quatro países já teremos a ideia do que representa aquela cadeia de acontecimentos.

 
O que propõe então para combater o terrorismo na Europa?

Há muito a melhorar na luta contra o terrorismo, como, por exemplo, o tráfico de armas. Não sabemos bem como é que os terroristas em Paris tiveram acesso àquele tipo de armamento, porque são não se compra numa loja qualquer, são armas de guerra. O que importa saber é como as conseguiram comprar, qual o segredo do tráfico ilegal de armas na Europa, quem ganha dinheiro com isso, quais são as empresas de dentro ou de fora da Europa que nele estão envolvidas. Esse circuito do tráfico de armas é uma das informações que os Estados ganhavam se cooperassem mais entre si.


E a ameaça de ‘contágio’ para novos radicalistas?

Com os imãs radicais passa-se o mesmo que acontece em Portugal com um jovem que entra na prisão e pode sair ‘graduado’ em criminalidade: as prisões são as ‘universidades’ do crime. Hoje, em alguns países europeus, as prisões são as ‘universidades’ do radicalismo islâmico, pois há um conjunto de pregadores terroristas radicais que aproveitam o meio presidiário, a solidão e a natureza própria da prisão, para fazer a sua pregação. Se calhar a nível europeu teremos de ver qual o melhor enquadramento prisional dessas pessoas. Não advogo que devam ser mantidas em isolamento permanente, mas se calhar não podem fruir dos mesmos espaços de convivência e de convívio do que os outros detidos.


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