Identidade europeia: Quem são os europeus de hoje? Carlos Coelho responde na Fundação Gulbenkian

11 de Maio, 2015

Felicito os organizadores e agradeço o simpático convite que me foi dirigido pela Rebeca Abecassis.

Pergunta-se "quem são os europeus hoje?"

Sei bem que a Europa é mais do que a UE. Mas para responder à pergunta, insisto, por facilidade, na identificação entre as duas realidades. Assim, a Europa de que falo é sobretudo a União Europeia.

E "quem são os europeus hoje"?

Somos 500 milhões numa Europa com 28 Estados-Membros.

A Comunidade começou com 6 países (França, Alemanha, Itália, Bélgica, Luxemburgo e Países Baixos) e alargou-se sucessivamente a 9, 10, 12, 15, 25, 27 e hoje 28 Estados-Membros.

Num debate em Estrasburgo, no plenário do Parlamento Europeu o Primeiro Ministro Italiano, Matteo Renzi afirmou que se a Europa quisesse fazer uma "selfie" estaria a fotografar uma tia envelhecida.

E há alguma verdade nesta caricatura. Os Europeus são mais mulheres que homens e mais velhos que jovens. Entre os 25 e os 54 anos temos 42% de europeus; Com mais de 25 anos, 26% e com mais de 55 anos, 31%.

Quem somos? Somos 500 milhões com tendência a diminuir e a envelhecer.

A evolução demográfica é agravada pela baixa taxa de natalidade o que gera aliás uma perplexidade económica e social

É frequente assistirmos a países com um grande crescimento da sua população mais jovem, terem assinaladas dificuldades em encontrar respostas suficientes no mercado de trabalho.

Na Europa nem o facto de a população jovem diminuir, faz com que o desemprego juvenil seja menos preocupante.

Temos um elevado nível de desemprego juvenil.

Se o desemprego é sempre um drama social, uma alta taxa de desemprego jovem confronta-nos com problemas sérios relativos ao futuro da Europa.

E esse desemprego não é só excessivo como é assimétrico. Há uma enorme diferença entre os 7% de jovens desempregados na Alemanha com os 50% na Grécia ou em Espanha.

Com 28 Estados-Membros somos uma Europa maior, mais forte mas mais dividida e com mais disparidades.

Um exemplo são as línguas oficiais. Hoje, no Parlamento Europeu temos 24 línguas de trabalho que correspondem às 24 línguas oficiais da UE.

Não era por acaso que quer Francisco Lucas Pires quer Vasco Graça Moura (duas referências do pensamento e da cultura que infelizmente já não estão entre nós mas deixaram uma marca no Parlamento Europeu que prestigiou Portugal) falavam sempre nas culturas europeias sublinhando o plural.

E isto remete-nos para a questão da Identidade Europeia.

Nas palavras de Eduardo Lourenço "cosmopolita e indefinível identidade europeia".

É uma identidade que é mais evidente por contraposição, quando a confrontamos com identidades que lhe são externas.

Sentimo-nos mais europeus quando estamos em África, na Ásia, nas Américas ou em qualquer outro canto do mundo. E somos reconhecidos como "europeus" por esses povos. Por vezes olham-nos com inveja, outros com ressentimentos e outros, com malícia, dizem-nos que temos "tiques" europeus ou "manias" europeias", enfim... somos europeus.

Diria, portanto, que é claro que existem europeus fora da Europa, mas não estou tão certo que existam europeus na Europa.

Porque quando estamos na Europa não nos definimos como europeus. Somos Portugueses, Franceses, Espanhóis, Alemães, etc ..

Temos de reconhecer que nesta nossa Europa comum, a identidade nacional é muito mais forte do que a identidade europeia.

É verdade que criámos juridicamente a Cidadania Europeia mas ela não é verdadeiramente sentida e assumida pelos cidadãos europeus.

Só 26% se consideram convictamente cidadãos europeus e 39% confessam-se "em grande medida" cidadãos europeus.

Ou seja: apenas metade dos europeus se reconhecem cidadãos da Europa e 1/3 declaram de forma clara que não se sentem cidadãos da União.

No podium dos menos europeus encontramos a Bulgária, a Itália, a Grécia, Chipre, o Reino Unido e a Hungria.

Quer Portugal, quer a França encontram-se no meio da tabela. Por sinal, Portugal um pouco mais europeu do que a França...

E se podemos "medir" a concretização prática dessa cidadania europeia temos um bom aferidor: a taxa de participação nas eleições para o Parlamento Europeu. Ora ela tem vindo a descer progressivamente e o ano passado teve o valor mais baixo de sempre: só 42% dos europeus foram às urnas e, em Portugal, esse valor foi de 33%.

Valorizamos porém conquistas da UE

Valorizamos a paz, a livre circulação (de pessoas, bens, serviços e capitais) o Euro, o programa Erasmus e o Modelo Social Europeu.

Com todas as crises e dificuldades, o Modelo Social Europeu é a expressão do esforço que fazemos no apoio social. A UE representa só 7% da população mundial, tem 22% do PIB mundial e é responsável por 50% da despesa social de todo o mundo.

Isso diz bem do nível de bem-estar na Europa mas também dos desafios que  coloca à nossa competitividade.

Somos uma Europa que encoraja e facilita a mobilidade e isso tem contribuído para nos conhecermos melhor e para o aumento da tolerância estre os europeus.

Em 20 anos o número de europeus a viverem e trabalharem noutro Estado-Membro que não aquele onde nasceram, triplicou. Eram cerca de 5 milhões em 95 e são hoje mais de 13 milhões.

O Programa Erasmus referido de forma excelente pelo Comissário Carlos Moedas na mensagem gravada que ouvimos no início deste debate é um enorme sucesso. Hoje falamos na "geração Erasmus".

Enquanto que no primeiro ano de existência do programa (87/88) foram apoiadas pouco mais de 3.200 estudantes, em 2012/2013 foram 200.000 os estudantes apoiados e 55.000 os estágios concedidos. E aqui também uma maioria de mulheres (60%).

3 Milhões de europeus já beneficiaram do Programa Erasmus.

Os Europeus descobriram também novas estruturas familiares que resultam de escolhas pessoais, da mudança de hábitos culturais mas também do aumento do número de divórcios.

Em Portugal, em 1960 havia um divórcio por cada 100 casamentos. Em 2012 eram 73 divórcios por cada 100 casamentos. Esta tendência embora de uma forma menos gritante  repete-se um pouco por toda a Europa. Entre 1960 e 2012 a Bélgica passou de 7 para 67, a Holanda de 6 para 49, a Dinamarca de 18 para 55, etc.

Na religião já fomos mais homogéneos:

Hoje os europeus definem-se:

48% Católicos

12% Protestantes

8% Ortodoxos

4% Outros cristãos

2% Muçulmanos

1% outros ( judeus,  budistas, hindus, etc)

7% Ateus

16% Agnósticos

Muitos europeus acreditam em Deus, outros acreditam que existe um espírito superior mas não se revêem numa figura divina, outros não acreditam de todo.

O País menos crente é a França com 40% de ateus.

O mais crente é Malta onde 94% acreditam em Deus.

Em Portugal 70% acreditam em Deus, 15% acreditam num espírito superior e 12% são ateus.

Os europeus defendem a liberdade religiosa mas também a liberdade de expressão

E infelizmente no passado recente as notícias mais vistas são de clérigos que pregam o fundamentalismo:

  • São imãs radicais que pregam o ódio e o jihadismo;
  • São cristãos fundamentalistas que organizam queimas do Alcorão;
  • São rabis que publicam doutrina a considerar que matar árabes não é pecado.

Parece que vivemos um retrocesso civilizacional, que recuámos séculos e que está outra vez na moda essa coisa horrível que é matar em nome de Deus.

E há fenómenos Europeus comuns

Permitam-me citar 5:

1 - A racionalidade na pertença

A despeito de haver opiniões diferentes sobre a natureza da Europa todos os Estados parecem preferir estar dentro da UE. Há uma noção de protecção. Que o interesse de cada um é melhor defendido dentro da União.

Mesmo quando o discurso se radicaliza.

Veja-se o que aconteceu na Grécia. As sondagens no dia da eleição previam (e bem, porque acertaram) a vitória do Syriza. As mesmas sondagens revelaram que entre 70% a 80% do povo grego queria continuar no Euro. Esta racionalidade é (na minha opinião) um dos embaraços do actual governo grego que sabe se romper a corda arrisca-se a perder grande parte da sua base eleitoral.

2 - A radicalização da vida política

Assistimos à proliferação (e ao sucesso eleitoral) de diversos partidos radicais, xenófobos, racistas e/ou eurofóbicos);

O UKIP, no Reino Unido só elegeu um Deputado devido ao sistema maioritário mas é hoje o 3ª partido britânico com mais de 12% dos votos.

A Frente Nacional em França aparece nalgumas sondagens como o 1º partido francês.

O Aurora Dourada na Grécia

O Jobbik na Hungria

Partido do Povo na Dinamarca

O Partido da Liberdade na Áustria

O Partido da Liberdade na Holanda

São alguns (entre muitos outros) exemplos que alastram por essa Europa fora.

3 - A intolerância que coloca em causa os valores Europeus:

  • Relativamente à imigração (de países terceiros) que 57% dos europeus vê como uma realidade negativa e apenas 35% como positiva;
  • Relativamente ao valor da Liberdade muitas vezes secundarizado face a exigências securitárias;
  • Relativamente à protecção de dados por vezes reduzida a privilégio dispensável;
  • E até relativamente ao valor da vida (quando responsáveis políticos europeus sugerem que não se deviam salvar vidas no Mediterrâneo para não criar um "pull-factor").

4 - A pulverização dos Parlamentos

Se é verdade que o sistema maioritário inglês escondeu as consequências dessa realidade no Reino Unido, olhemos para as sondagens na nossa vizinha Espanha e para a realidade comum na grande maioria dos Estados-Membros e até no Parlamento Europeu: A erosão eleitoral dos partidos considerados do mainstream e o surgimento de novos actores tornando mais difíceis e complexas as soluções estáveis de governo.

5 - Interdependência das economias,

que não é apenas evidente nos sistemas económico e financeiro, como gera consensos europeus relativamente a objectivos comuns:

  • 73% dos europeus concordam com a necessidade de uma política energética comum;
  • 71% com uma política comum de imigração;
  • 61% com a aplicação de dinheiro público para estimular a economia;
  • 58% com o Tratado de  livre comércio entre a UE e os USA;
  • 51% com a Re-industrialização da Europa.

Mas há também Receios Comuns:

  • Nos últimos 12 meses opiniões pessimistas ultrapassaram as optimistas no que se refere à evolução da economia europeia.
  • O impacto da crise económica no emprego divide os europeus: Enquanto metade considera que já ultrapassámos o pior, outra metade receia que o pior esteja ainda para vir.
  • O crescimento da imigração é visto como um receio como atrás já referi.

Minhas senhoras e meus senhores

Parece-me assim claro que a despeito de não nos sentirmos europeus ou não conseguirmos definir o que isso é, somos cada vez mais europeus, parecidos nas escolhas, nas preferências e nos receios.

E há um espaço de ambiguidade entre o que já não somos e o que não sabemos se queremos ser, bem traduzido nas palavras de Eduardo Lourenço que lhe peço emprestadas para terminar a minha intervenção:

"A Europa real é uma colecção de identidades que já não têm nem a capacidade de se viver plenamente como nações nem a força de querer e imaginar a futura Europa como uma nova espécie de nação".

Muito obrigado

 

 

 

 

 

 

 

 


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