Parlamento Europeu aprova resolução para corrigir a trajetória de um falhanço

29 de Abril, 2015

Em causa está a intervenção europeia na tragédia do Mediterrâneo, onde milhares de imigrantes morrem há anos. Entre as medidas agora propostas consta a criação de uma quota vinculativa para a repartição dos requerentes de asilo entre os Estados-membros e mais contribuições para os programas de reinstalação de refugiados.

"Falhámos em criar uma união humanitária europeia." A afirmação foi proferida terça-feira por Cecília Wikström, eurodeputada sueca e líder da Comissão das Liberdades Cívicas, Justiça e Assuntos Internos do Parlamento Europeu, que lembrava que o Mediterrâneo " é hoje "um grande cemitério". Só este ano mais de 1600 refugiados e imigrantes já morreram a tentar atravessar este mar, a que se somam mais de 3400 em 2014.

Procurando corrigir a trajetória de Bruxelas, o Parlamento Europeu aprovou esta quarta-feira uma resolução não vinculativa que "apela a uma coordenação mais estreita das políticas da UE e dos Estados-membros na luta contra as causas profundas da migração e ao reforço da cooperação da UE com os países parceiros no Médio Oriente e em África".

Entre as medidas propostas consta a criação de uma quota vinculativa para a repartição dos requerentes de asilo entre os Estados-membros, mais contribuições para os programas de reinstalação de refugiados e reforço da cooperação com países terceiros, e ainda medidas mais pesadas contra as redes de tráfico e os respetivos traficantes de seres humanos.

Falhanço
"Se nada for feito, e as tendências se mantiverem, chegaremos ao final de 2015 com mais de 9.000 mortos", alertou o eurodeputado português Carlos Coelho. Têm falhado as políticas europeias de asilo e imigração e a ajuda humanitária atempada. "Nestas duas dimensões, para lá de medidas avulsas, o Conselho falhou", criticou o eurodeputado social-democrata. As críticas estendem-se ao resultado da reunião dos Chefes de Estado e de Governo.

Outras vozes ecoaram o mesmo tipo de sentimento no hemiciclo de Estrasburgo. Entre elas a de Ana Gomes. Em conversa com os jornalistas, a eurodeputada socialista mostrou-se "desapontada e preocupada com o comportamento do Conselho Europeu. "Precisamos de políticas de asilo, de segurança e de relações externas articuladas e nada disso foi seguido pelo Conselho", indigna-se a eurodeputada socialista, que lembra que "só com uma política integrada de migração é possível combater a traficância".

O que o Conselho Europeu de 23 de abril aprovou foi triplicar o orçamento da operação Triton. "Assim não vai haver segurança na Europa fortaleza", acrescenta Ana Gomes, que critica "as políticas desastrosas da UE em relação não só a este assunto, como aos que estão na sua origem, como o estado atual da Líbia", um dos países de onde são originários muitos dos refugiados que procuram atravessar o Mediterrâneo.

"Escandaloso"
Ao fim de horas de discussão e de ajustes da proposta inicial, o Parlamento Europeu acabou por instar a UE a estabelecer um mandato claro para a operação Triton, de forma a "alargar a sua área de operação e ampliar o seu mandato às operações de busca e salvamento a nível da UE", para lá das 30 milhas náuticas da costa italiana a que estava limitada. O objetivo é que as operações de busca e salvamento sejam "efetivamente cumpridas". A resolução foi aprovada por 449 votos a favor, 130 contra e 93 abstenções.

Emotiva sobre o assunto, a eurodeputada socialista Ana Gomes diz mesmo ser "escandaloso que entre os 10 pontos votados pelo Conselho a 23 de abril se tenha defendido como prioridade fazer os migrantes regressarem aos seus países de origem, quando sabemos que a maior parte deles são requerentes de asilo". E aponta o dedo aos Governos europeus, como o português, "que vendem golden visas para os migrantes endinheirados ao mesmo tempo que criam barreiras aos que precisam de refúgio e não fazem o básico para salvar vidas no Mediterrâneo".

"O Conselho Europeu apresentou uma declaração de guerra aos refugiados", condena Inês Zuber. A eurodeputada comunista portuguesa também aponta o dedo à Comissão Europeia e acrescenta: "Perante as tragédias que se avolumam, é imperiosa uma alteração de paradigma em relação à migração na UE."

No ano passado chegaram à Europa 276 mil imigrantes que atravessaram o Mediterrâneo e 80 mil deles continuam a aguardar uma decisão sobre o seu futuro.


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