Arlindo Cunha sobre a Reforma da PAC: Cimeira de Bruxelas foi positiva mas alguma mudança tem que ser feita

O Deputado do PSD Arlindo Cunha defendeu, no Parlamento Europeu, que "a Cimeira de Bruxelas teve o inegável mérito de desbloquear o processo financeiro do alargamento e de fixar as regras do jogo no que respeita aos apoios à agricultura para os próximos 10 anos".

Num debate, no Plenário do Parlamento Europeu, em Bruxelas, Arlindo Cunha recordou que, "na base de um entendimento franco-alemão, a reunião Cimeira de Chefes de Estado e de Governo realizada a 25 de Outubro em Bruxelas, decidiu que as transferências do orçamento comunitário destinadas à agricultura (1º pilar do FEOGA-Garantia) se manteriam inalteradas até 2006 (termo da actual política agrícola decidida no Conselho Europeu de Berlim de 1999) e que a partir de 2007 até ao ano de 2013 apenas poderão crescer a 1% por ano.

Muitas afirmações contraditórias têm sido proferidas a respeito das consequências práticas desta Cimeira sobre a Revisão Intercalar da PAC (RIPAC), acrescentou Arlindo Cunha.  Para uns a RIPAC foi enterrada até 2006.  Para outros, as decisões da Cimeira apenas fixam regras de financiamento e não interferem com a necessidade de reformar a PAC.  Os próprios Comissários parecem também não escapar a estas contradições, com o Comissário Fischler a afirmar que a única coisa que a Cimeira implicou foi um novo contexto financeiro para a RIPAC, e que esta deve continuar a ser perseguida mas agora no respeito pelas novas regras financeiras (Boletim Europe nº 8331); e o Comissário Lamy a lamentar o adiamento do novo modelo de ajudas directas desligadas da produção (Ecoagra de 2002.11.03)".

Para Arlindo Cunha, "seria profundamente errado confundir a perspectiva de estabilidade de financiamento com a manutenção do status-quo na PAC. Há 4 razões principais que me levam a pensar que alguma mudança tem que ser feita.

A primeira é que, por mais discursos que se façam, a actual PAC não dá respostas minimamente satisfatórias àquilo que são hoje os grandes argumentos utilizados por todos para defender a necessidade de uma política agrícola comunitária: um rendimento digno para os agricultores, a segurança alimentar, a preservação do ambiente, das paisagens e dos equilíbrios territoriais, a melhoria da qualidade dos produtos, o bem estar animal, etc... E para quem tiver dúvidas, que olhe para as dotações orçamentais destinadas a estas rubricas, que no seu conjunto não ultrapassam os 12% de todo o orçamento da UE destinado à agricultura e ao desenvolvimento rural.  Ou seja, andamos a utilizar o argumento do Modelo Agrícola Europeu e da multifuncionalidade da agricultura para na Organização Mundial do Comércio (OMC) defender os subsídios que atribuímos à agricultura, mas a nossa prática interna é contraditória com esse argumento.  Daí a necessidade de reforçar substancialmente o segundo pilar (ou desenvolvimento rural) e não vejo grandes formas de o fazer se não for a partir de transferências do primeiro. Espero, sinceramente, que a decisão da Cimeira em deixar fora da nova linha directriz agrícola o desenvolvimento rural não venha dificultar ainda mais este reforço.  Até porque já deu para entender que as organizações agrícolas dos países que mais beneficiam da PAC querem que esse segundo pilar seja finaciado pelos fundos estruturais, para não terem de partilhar o que já recebem.  E os Estados Membros correspondentes pensam provavelmente o mesmo, só que ainda não encontraram um contexto político para o explicitar.

A segunda razão é que no quadro da OMC (que é uma realidade incontornável para a UE) custar-nos-ia muito caro querer preservar o status-quo, isto é o actual sistema de ajudas directas por hectare ou cabeça de gado, incluídas na designada caixa azul. Teríamos porventura que pagar um preço elevado, cedendo em questões essenciais para nós como por exemplo no acesso ao mercado, na segurança alimentar, ou, especialmente, na protecção das indicações geográficas e das denominações de origem dos produtos agrícolas.  Daí que continue a fazer sentido manter a ideia de um novo modelo de ajudas aos agricultores, que seja realista e justo, e que possa ser classificado na caixa verde da OMC.

A terceira razão é que a inequidade distributiva que, por razões históricas, a PAC apresenta é, pura e simplesmente, insustentável a longo prazo.  Basta lembrar que temos actualmente um sistema de ajudas directas que poderemos considerar esquizofrénico, porquanto atribui ajudas a certos agricultores, enquanto que as nega a outros.  Quando, afinal, todos desempenham para a sociedade a mesma função e fornecem os mesmos bens públicos que justificam essa ajuda.  Ou ainda um sistema que, por essa razão, atribui em média a um agricultor português um quinto das ajudas que são atribuídas em média aos agricultores europeus, apesar de estes já estarem à partida penalizados em virtude de o seu rendimento ser cerca de um quarto do dos seus parceiros comunitários. Tal correcção implicará que o eventual processo de dissociação parcial das ajudas directas tenha que ser acompanhado de uma correcção da base histórica de partida nos casos de mais marcado desequilíbrio, como é o caso de Portugal.

A quarta e última razão para agir é que  o actual sistema de ajudas, apesar de ser simpático para os agricultores que mais beneficiam dele, é demasiado complicado para aplicar na União Europeia alargada a 25 e posteriormente a 27 Estados Membros, que implica praticamente duplicar o actual número de agricultores. Manda o mais elementar bom senso que se pense num regime mais simplificado e fácil de aplicar".

Pelas razões expostas, Arlindo Cunha defende "que se procedam a alguns ajustamentos fundamentais agora, ainda que alguns deles se possam vir a aplicar só a partir de 2005 ou 2006.  É mais seguro fazê-lo agora, de forma controlada no contexto político da UE a 15, do que após o alargamento, com os inerentes riscos de incerteza do que serão os processos negociais e decisórios nesses primeiros anos de convivência a 25, em que alguma confusão institucional será inevitável ".