Conferência de Imprensa sobre os resultados das reuniões preparatórias da Cimeira de Joanesburgo

INTRODUÇÃO

Face aos resultados decepcionantes das reuniões preparatórias para esta Cimeira, muitos já trataram de a condenar a um mais que provável fracasso. Não nego que seria melhor que nos trabalhos preparatórios os Estados tivessem ultrapassado o egoísmo das suas posições unilaterais em favor de um Acordo Global para o Planeta. Mas essas reuniões eram apenas preparatórias, pelo que me parece prematuro tirar conclusões tão definitivas. Convém recordar que diversas Conferências internacionais se iniciaram com os mesmos sinais de bloqueamento e impasse (devido à posição dos mesmos de agora – Estados Unidos e G77) e terminaram com resultados históricos, como , por exemplo, a COP6bis, em Bona, que permitiu um acordo final sobre as modalidades de implementação do Protocolo de Quioto. No fundo, e ainda que não seja ideal, a radicalização de posições, desenvolvida pelas Partes, faz parte da encenação de todas as Conferências internacionais e acaba por produzir uma pressão sobre os negociadores que é determinante para a obtenção de resultados positivos nas últimas horas destas Conferências.

Assim, recuso-me a alimentar o pessimismo generalizado envolvente à Conferência de Joanesburgo. Esse miserabilismo serve apenas o interesse daqueles que pretendem baixar as expectativas para poderem, no fim, anunciar ao povo da Terra como, grandes, os pouco mais que pequenos resultados. Bem sei que o cinismo tomou conta da geopolítica e confere um importante grau de conforto aos protagonistas políticos mas permitam-me que prefira não alinhar desse lado. A delegação do Parlamento Europeu parte para Joanesburgo com um elevado grau de ambição. Para nós é proibido falhar.

Em primeiro lugar porque o Planeta está em estado de emergência. Dez anos depois da Cimeira do Rio de Janeiro, que lançou as bases para o Desenvolvimento Sustentável, todos os sinais de insustentabilidade – social como ambiental - se agravaram. Do agravamento do aquecimento global à diminuição da camada de ozono. Da insegurança alimentar à crescente resistência aos antibióticos. Da proliferação dos produtos químicos, especialmente os organicamente persistentes, ao empobrecimento da biodiversidade. Da acumulação de resíduos industriais à congestão da vida nas cidades. Sem esquecer, obviamente, os mais insuportáveis dos sinais - a pobreza, a fome, a falta de água potável e saneamento básico, a proliferação do Sida, da malária e da tuberculose, a ausência de vacinação e de cuidados básicos de saúde, o analfabetismo, a discriminação das mulheres, a falta de direitos políticos e a violação dos direitos humanos. 

Em segundo lugar, porque Joanesburgo configura uma oportunidade de Acordo Global sobre Desenvolvimento Sustentável que não surgia há dez anos e que não se repetirá nos próximos. Perder esta oportunidade seria revoltante.

Partirei para Joanesburgo levando uma agenda política que visa a concretização de doze objectivos:

OBJECTIVOS

EQUILIBRAR O PLANETA

O nosso modelo de desenvolvimento deu origem a duas fracturas muito profundas: a da supremacia da dimensão económica do desenvolvimento, face ao esmagamento das dimensões social e ambiental (dando origem ao estado de emergência que atrás caracterizei), e a da chocante discrepância de índices de bem-estar nos dois hemisférios. Os números são eloquentes: 20% dos habitantes representam 86% do consumo mundial; 1% da população detém 57% da riqueza total do planeta; existem mais de 2500 milhões de habitantes sem água potável, mais de 2000 milhões sem energia eléctrica e mais de 1000 milhões em situação de pobreza extrema; 70% dos infectados com HIV estão na África Subsariana. O objectivo estrutural da Cimeira é, pois, o de definir um Acordo Global que permita equilibrar o Planeta.

GARANTIR A ENTRADA EM VIGOR DO PROTOCOLO DE KYOTO

O Protocolo de Quioto não faz parte da agenda de Joanesburgo mas a credibilidade dos Tratados internacionais que vierem a ser propostos na sequência de Joanesburgo passa por resolver este caso “pendente”, da Cimeira de 1992, no Rio de Janeiro. Assim, quer por razões simbólicas (será possível iniciar a segunda Cimeira sobre Desenvolvimento Sustentável se a bandeira da primeira ainda não estiver em vigor?), quer por razões ambientais - todos os sinais apontam para o agravamento do Aquecimento Global – é essencial que a Cimeira de Joanesburgo assinale a entrada em vigor do Protocolo de Quioto. Para que isso possa acontecer é imprescindível que alguns países acelerem a sua ratificação, nomeadamente, a Rússia.

CRIAR CONDIÇÕES PARA O REGRESSO DO MULTILATERALISMO

É importante que Joanesburgo marque o ponto de viragem da concepção estratégica da Administração Bush sobre o papel dos Estados Unidos na cena internacional, em particular, no domínio do ambiente. A União Europeia tem vindo a criar as condições políticas (por exemplo, não avançando para retaliações comerciais pela não participação dos Estados Unidos no Protocolo de Quioto) para que esse regresso dos Estados Unidos ao multilateralismo, em detrimento de um quase isolacionismo, possa acontecer de forma digna. Mas não podemos esperar eternamente.

LANÇAR O “GREENING”  DA ECONOMIA MUNDIAL

Hoje, produzir verde ainda não é suficientemente competitivo e consumir verde ainda pode ser um luxo. É, pois, crucial actuar ao nível do preço – fazendo internalizar no produto final os custos ambientais  - enviando, dessa forma, um sinal que é determinante para as escolhas das empresas e dos consumidores. O Protocolo de Quioto permitiu que as externalidades do Aquecimento Global fossem internalizadas na economia (quem produzir o mesmo com menos emissões de dióxido de carbono vencerá). Espera-se que a Cimeira de Joanesburgo lance instrumentos para que o custo de todos os problemas ambientais, e não apenas o Aquecimento Global, sejam internalizados na economia mundial, por exemplo, através:

- do phase-out dos subsídios insustentáveis (como os atribuídos à industria dos combustíveis fósseis),

- da implementação de medidas de tributação, como impostos sobre energia e CO2

- da imposição de standards de eficiência energética para todos os produtos de consumo,

- da fixação de quotas mínimas de mercado para produtos certificados como sustentáveis,

- da rotulagem ambiental dos produtos

- da obrigatoriedade das empresas (em particular multinacionais) de elaborarem relatórios anuais sobre desempenho ambiental e social

Por outro lado, só definição de um novo modelo de produção e de consumo permitirá dissociar o crescimento económico e o bem-estar social da utilização intensiva de recursos.

IMPULSIONAR A GOVERNANÇA INTERNACIONAL

Muitos procurarão fazer desta Cimeira mais um ponto no roteiro anti-Globalização. Julgo que estão errados. Não porque não reconheça que são muitos os efeitos de esmagamento social e ambiental provocados pelo nosso modelo de desenvolvimento globalizado, mas porque entendo que mais do que lutar, na rua, pelo fim de uma coisa que é inevitável, se deve equacionar “lá dentro” a forma de utilizar as “ferramentas” da Globalização (integração e circulação de informação, tecnologia e capital) para enfrentar os malefícios ambientais e sociais da própria Globalização. A causa do problema pode fazer parte da solução do mesmo. Essa, sim, parece-me ser uma prioridade da Cimeira. Regular a Globalização colocando-a ao serviço do Desenvolvimento Sustentável. Como ? a) Lançando respostas (instrumentos) comuns para problemas globais, vertendo em legislação (Protocolos, Tratados, Cartas) a um nível supranacional, tão elevado quanto possível, o núcleo inabdicável dos valores ambientais e sociais. b) Desenhando redes e instituições de monitorização ambiental e social à escala planetária e implementando sistemas de prevenção, controlo e gestão de riscos. No fundo, é essencial avançar para uma reforma dos “nós” desta rede, reformando instituições existentes – como a Organização Mundial do Comércio – e criando novas instituições – como uma Organização Mundial do Ambiente (que coordene a implementação dos mais de 500 tratados e protocolos ambientais) e um Tribunal Internacional para Crimes Ambientais (que julgue e sancione os prevaricadores de crimes contra o ambiente global).

APROVAR INDICADORES DE DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL

É quase impossível apostar na integração das dimensões social, ambiental e económica nos padrões de desenvolvimento se o critério que permite aferir esse desenvolvimento continuar a ser exclusiva, ou preponderantemente, o PIB. Assim, a Cimeira deve definir um conjunto internacional de novos indicadores de Desenvolvimento Sustentável que permitam avaliar a performance social e ambiental e económica das nações mundiais.

REDUZIR A POBREZA

Hoje, mais de 1000 milhões de pessoas vivem em situação de pobreza extrema. A Cimeira deve aprovar políticas e financiamento que permitam reduzir em 50%, até 2015, o número de pessoas em situação de extrema pobreza.

AUMENTAR O ACESSO À ÁGUA POTÁVEL E AO SANEAMENTO BÁSICO

A falta de água potável é responsável por 80% das doenças no mundo (250 milhões adoecem anualmente devido a falta de água potável e 5-10milhões morrem anualmente). Assim, a Cimeira deve fixar políticas  e financiamento que permitam reduzir em 50%, até 2015, o número de pessoas sem acesso a água potável e saneamento básico. Por outro lado, face à enorme discrepância no acesso e gestão da Água – em que a Norte se poluí o que a Sul não existe, a Cimeira deve lançar as bases para uma Carta Internacional da Água (idêntica à Directiva Quadro da União Europeia) que regule internacionalmente o acesso aos recursos hídricos, a gestão conjunta das bacias, a definição de caudais ecológicos, os limites de emissões poluentes, a internalização dos custos ambientais no preço da água.

PROMOVER AS ENERGIAS RENOVÁVEIS

A Cimeira deve concretizar políticas de abandono dos combustíveis fósseis e de promoção das energias renováveis visando a concretização da meta, em 2010, de pelo menos 15% de energias renováveis (no total de fornecimento de energia primária) e, em 2020, de 25%. Considero igualmente importante a criação de uma agência das Nações Unidas para as energia renováveis.

TRAVAR O DECLÍNIO DA BIODIVERSIDADE

A Cimeira deve aprovar políticas e financiamento que travar o declínio da biodiversidade e dos recursos naturais até 2015.

COMBATER O SIDA, A MALÁRIA E A TUBERCULOSE

A Cimeira deve mostrar comprometimento no combate às doenças de fácil propagação (especial atenção às doenças relacionadas com a pobreza - Sida, tuberculose e malária) e na melhoraria dos níveis de vacinação e cuidados de saúde, através do financiamento de programas de saúde da parte dos países mais desenvolvidos, da remoção das dificuldades de acesso (licenças e patentes) dos países em vias de desenvolvimento aos produtos farmacêuticos e de parcerias internacionais para o desenvolvimento de novas gerações de produtos. Importa, uma vez mais, recordar que 70% dos infectados com Sida vivem na África Subsariana.

APROVAR LINHAS DE FINANCIAMENTO AOS PAÍSES EM VIAS DE DESENVOVIMENTO

Só é possível mobilizar os países mais pobres para um modelo de desenvolvimento social e ambientalmente sustentável se os ajudarmos a resolver o mais grave de todos os sinais de insustentabilidade – a pobreza. Isso consegue-se pelo financiamento e pela redução da dívida. Assim, é urgente que se cumpra, da parte  dos países do G7 e dos Estados-membros da EU, o objectivo ODA lançado há dez anos no Rio segundo o qual gastar 0.7% do PIB em assistência aos PVD´s. É igualmente imprescindível desenvolver (alargando) a iniciativa de alívio da dívida dos países mais fortemente endividados (HIPC) de forma a que estes países não vejam goradas as possibilidades de crescimento e desenvolvimento económico em virtude das restrições impostas pelo pagamento da dívida.

Composição da Delegação do Parlamento Europeu

Presidente: Jorge MOREIRA DA SILVA (PPE, Portugal)

Vice-Presidente: Anneli HULTHEN (PSE, Suécia)

Vice-Presidente: Alexander de ROO (Verdes, Holanda)

Vice-Presidente: Anders Wijkam (PPE, Suécia)

Vogais:

Mario MANTOVANI (PPE)

Karl-Heinz FLORENZ (PPE)

Robert STURDY (PPE)

Karen JUNKER (PSE)

Richard HOWITT (PSE)

Karin SCHELE (PSE)

Chris DAVIES (ELDR)

Marieke HOLTE (ELDR)

Paul LANNOYE (Verdes)

Mikail PAPAYANNAKIS (GUE)

Niall ANDREWS (UEN)

Composição da troika da União Europeia

Poul NIELSEN (Comissão Europeia)

P. SCHMIDT (Ministro Dinamarquês do Ambiente)

Jorge MOREIRA DA SILVA (Parlamento Europeu)

Documentos de referência da estratégia da União Europeia (disponíveis no site do Parlamento Europeu e da Comissão Europeia)

Comunicação da Comissão Europeia  - “Towards a global partnership for sustainable development”, COM(2002)82

Comunicação da Comissão Europeia para o Conselho de Barcelona, Documento COM(2002)14

Relatórios do Parlamento Europeu, A5-0151/2002 e A5-142/2002