Silva Peneda escreve sobre o processo eleitoral em Angola: Uma Nova Era para Angola?

"As eleições realizadas em Angola na passada semana apresentaram aspectos muito positivos a par de outros bem negativos, mas o balanço final é encorajador no sentido de que Angola está a percorrer um caminho na direcção de uma vivência em plena democracia.

Como aspectos francamente positivos deste processo eleitoral há que destacar, em primeiro lugar, o comportamento cívico excepcional que os cidadãos angolanos revelaram no dia das eleições. 

O segundo aspecto positivo tem a ver com o clima distendido que se viveu durante toda a campanha eleitoral, que decorreu sem incidentes, em liberdade e no respeito pela opinião alheia, e isto aconteceu fundamentalmente como resultado do contínuo apelo à calma, à tolerância e à reconciliação nacional feita por todos os líderes partidários durante a campanha eleitoral.

O clima distendido vivido durante o período da campanha das eleições realizadas na passada semana não teve assim nada a ver com o ambiente que se sentiu em 1992, onde o clima de guerra não estava totalmente dissipado e a crispação era muitíssimo intensa. Nestas eleições agora realizadas tornou-se claro que todas as forças políticas se empenharam de uma forma séria para que o tempo vivido em 1992 não se venha a repetir em Angola. Assistiu-se a uma campanha onde, de uma forma geral, imperou o civismo e não se registaram incidentes graves.

A terceira nota positiva tem a ver com o recenseamento eleitoral. Angola nunca realizou qualquer recenseamento à sua população mas com esta operação passou a dispor, a partir de agora, de uma excelente base de dados, que muito pode ajudar na preparação das diferentes políticas públicas.

Ainda uma nota positiva para os órgãos de comunicação social estatais que cumpriram rigorosamente com os períodos de tempo de antena atribuídos aos diferentes partidos políticos.

Como notas negativas, a primeira e mais forte de todas vai também para os órgãos de comunicação estatais, no que respeita à cobertura noticiosa das actividades das diversas forças políticas em confronto. Para além de não se ter realizado qualquer debate entre as forças em presença, muito pior foi o flagrante desequilíbrio verificado na actividade noticiosa desses órgãos de informação a favor do governo e do MPLA.

Algumas deficiências também podem ser apontadas no que respeita à credenciação de observadores e à não concessão de vistos a jornalistas portugueses. Foram questões de que ninguém retira vantagens, mas como aconteceram vão para o lado negativo destas eleições.

Seguramente que estes e outros aspectos negativos e deficiências não deixarão de ser apontadas no relatório que os observadores internacionais irão oportunamente apresentar, nomeadamente a missão da União Europeia e do Parlamento Europeu que também integrei.

Estas referências menos negativas, que podem ser apontadas ao processo eleitoral, terão de ser entendidas como um contributo pedagógico, no sentido de virem a ser corrigidas ou eliminadas nos próximos actos eleitorais.

Mas o pior aspecto negativo veio donde menos se esperava e teve a ver com falhas clamorosas registadas em Luanda em aspectos logísticos que levaram à abertura muito tardia das assembleias de voto, com falta de boletins de voto e de cadernos eleitorais. Par um país que investiu tanto dinheiro e tanto empenho neste processo eleitoral as falhas verificadas em Luanda Não deveriam ter acontecido. Apesar das desculpas apresentadas pelas autoridades não é facilmente compreensível a desorganização que aconteceu em Luanda. No entanto, ao longo do dia 5 de Setembro as coisas foram melhorando e as assembleias de voto que abriram no dia seguinte tiveram fraca afluência de votantes, o que só significa que a esmagadora maioria pode votar no dia anterior. E isto foi assim porque, ao contrário do que acontece em Portugal, os cidadãos em Angola podem votar em qualquer assembleia de voto.

Mas o mais importante deste processo eleitoral, apesar de todos os aspectos que correram menos bem, foi o passo decisivo para uma nova era da vida política angolana.

As forças da oposição inteligentemente perceberam que a contenção de que deram provas só as pode beneficiar a longo prazo. As forças do poder são, neste momento, claramente as mais bem organizadas e implantadas em todo o território e, por isso, não surpreenderá que tenham obtido uma expressiva vitória.

As eleições de Setembro de 2008 podem ser o ponto de charneira para uma nova caminhada de uma Angola que continue a crescer economicamente, a par da consolidação da paz, do progresso social, no respeito pelos direitos humanos, pela igualdade de todos perante a lei e pela observância das garantias fundamentais.

Penso que as eleições em Angola neste Setembro de 2008, ao contrário do que em acontecido noutros países africanos, não foi uma oportunidade perdida.

Agora a responsabilidade do MPLA é enorme para que estes valores se venham a consolidar na sociedade angolana e será muito importante que a curto prazo surjam sinais claros por parte do poder de que Angola quer inaugurar uma nova era, onde o espírito de reconciliação nacional já conseguido, pode dar lugar a uma reforçada confiança na construção de um país moderno e justo. "