Acabar com Schengen seria o fim da União Europeia

14 de Novembro, 2016

"O ideal europeu parece estar a descer aos infernos"

O título do painel já era taxativo - "Os novos muros da Europa" - e nenhum dos oradores contestou a premissa. A tal ponto que, nas palavras de Nuno Cunha Rodrigues, professor da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, o "ideal europeu parece estar a descer aos infernos". Nenhum dos intervenientes contestou. Pelo contrário.

No debate que ontem encerrou o primeiro dia da conferência "Luzes e Sombras da União Europeia", iniciativa que se prolonga pelo dia de hoje e que assinala os 30 anos da adesão de Portugal ao projeto europeu, três eurodeputados e um professor universitário discutiram "Os novos muros da Europa". Conclusão comum: eles existem, alguns muito visíveis, outros nem por isso.

"Acabar com Schengen seria o fim da União Europeia"

A primeira intervenção coube ao eurodeputado social-democrata Carlos Coelho, que centrou a atenção nos perigos que ameaçam hoje o espaço Schengen, o acordo de livre circulação que está "no núcleo do projeto europeu". "Acabar com Schengen seria o fim da União Europeia", defendeu o deputado ao Parlamento Europeu, sustentando que "é difícil conceber a União Europeia sem moeda comum, mas é impossível imaginá-la sem Schengen".

Carlos Coelho lembrou que, quer a França, quer a Alemanha, suspenderam o acordo de livre circulação, a primeira invocando o afluxo de refugiados, a segunda devido aos atentados terroristas. São decisões soberanas que cumpriram com a legislação, mas que são também "o tijolo e cimento dos novos muros da Europa". "É fácil aos populistas acenar com o problema da liberdade de circulação em nome da segurança", argumentou o eurodeputado, defendendo que a UE deve ser um espaço de liberdade onde tem de haver segurança e não um espaço de segurança onde há algumas liberdades. "Parece que estamos a regredir décadas", sublinhou.

"A crise do século XXI entrou numa fase mais perigosa"

Para Rui Tavares, ex-eurodeputado e fundador do partido Livre, "a crise em que o século XXI estava mergulhado mudou de natureza. Entrou numa fase mais perigosa ainda. A patologia com a qual estamos confrontados não é nova, conhecemo-la da História" - "o nacionalismo".

Segundo o historiador a resposta é o cosmopolitismo, mas ao invés os políticos têm "respondido com um nacionalismo atenuado". Já "a esquerda tem deixado campo aberto ao nacionalismo", tal como o "procedimentalismo das instituições".

Perante o cenário atual, Rui Tavares defende que não fazer nada deixou de ser hipótese: "Desde a eleição de Trump ou nos mobilizamos para salvar o continente ou este continente fica sujeito a qualquer entendimento entre Putin e Trump. E se Trump e Putin se entenderem vão entender-se por cima das nossas cabeças, por cima do nosso continente".

O ex-deputado defende que são precisos movimento à escala europeia, mas também foi dizendo que "na Europa parece que os movimentos progressistas estão sempre a perder oportunidades para dar as mãos". Mais tarde no debate haveria de lembrar que o anti-fascismo demorou dez anos a surgir porque as várias forças que se lhe opunham nunca se entenderam.

"O ideal europeu parece estar a descer aos infernos"

Nuno Cunha Rodrigues, professor de Direito da Universidade de Lisboa, começou pelos números. Hungria, 175 quilómetros de muro; Grécia, 12 quilómetros de vedação; Calais, 1,5 quilómetros; Bulgária, 30 quilómetros. Os muros físicos, porque depois há os outros. Como as normas aprovadas pela Dinamarca que proíbem a permanência de refugiados.

Perante este cenário, o que fez a União Europeia? Fez um "abstruso e surpreendente esquema" com a Turquia, um acordo "que mantém os refugiados longe da vista e faz vista grossa ao Direito internacional". E que, para Nuno Cunha Rodrigues, não oferece muitas dúvidas: "Viola a Convenção de Genebra sobre os Refugiados. Não há refugiados legais e ilegais".

"O ideal europeu parece estar a descer aos infernos", afirmou ainda o professor universitário, acrescentando que nem os Estados Unidos surgem agora numa perspetiva diferente: "Há novos muros à espreita do outro lado do Atlântico".

"Creio que estamos já em plena crise identitária"

Para a eurodeputada do Bloco de Esquerda Marisa Matias há uma "profunda crise do sistema político nos países ditos ocidentais". "Creio que estamos já em plena crise identitária" num mundo onde se levantam "muros económicos, sociais, étnicos, de género", defendeu.

A ex-candidata presidencial deixou várias interrogações na sua intervenção. E uma constatação: "Nós não conseguimos chegar às pessoas. E estas forças políticas [nacionalistas e xenófobas] conseguem chegar às pessoas".

"Temos muito bons diagnósticos, mas continuamos a usar as mesmas ferramentas", prosseguiu Marisa Matias, defendendo que "sem deixar cair as bandeiras progressistas", as forças democráticas têm de dar "respostas concretas para pessoas concretas" - "Estamos longe, muito longe de chegar às pessoas e de lhes dar respostas concretas".

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