Líderes vão aparecer compungidos quando já há uma lei por cumprir

21 de Abril, 2015

CARLOS COELHO, relator do regulamento 656/2014 da Frontex, exige respostas ao Conselho e à Comissão Um novo dia, a mesma tragédia podia ser o título dos enésimos artigos sobre naufrágios de barcos com migrantes clandestinos às portas da União Europeia Tragédia de sempre que podia já estar a ser evitada, diz CARLOS COELHO, que foi relator de um regulamento que após muito debate e a relutância do Conselho Europeu introduziu uma nova provisão no caderno de obrigações da Frontex. Na realidade, explicou ontem ao i após enviar questões urgentes à Comissão Europeia e ao Conselho, a questão é simples, mas foram os argumentos da agência de gestão das fronteiras externas que a fizeram parecer complexa Até um grupo de eurodeputados, liderados pelo social-democrata português, ter proposto introduzir o regulamento 656/2014, que declara que o primeiro objectivo da Frontex é salvar pessoas.  
 
"Com Lampedusa toda a gente acordou para o problema e criámos este regulamento, em que é declarado que a sua principal missão é salvar vidas. Há-de perguntar-me porque tivemos de incluir uma provisão tão óbvia Porque, confrontados com a questão, os responsáveis da Frontex disseram que é uma entidade de policiamento, não a Cruz Vermelha Isto foi dito oficialmente, 'não somos a Cruz Vermelha". Então, para não haver dúvidas, incluímos esta obrigação na lei, só que isso ainda não está evidente." Segundo Coelho, a agência refere três problemas para sustentar que não é sua competência resgatar os migrantes que "estão a morrer que nem tordos nas águas europeias". O primeiro, jurídico, é refutado pelo eurodeputado: a Frontex garante que não é agência de resgate, "quando na realidade é obrigada a aceitar a missão óbvia de salvar vidas". Isso continua a não acontecer, fazendo o número de mortos disparar. Se em 2014 mais de 3400 pessoas perderam a vida no Mediterrâneo a tentar alcançar solo europeu, esse número parece estar prestes a ser atingido no primeiro semestre de 2015. Segundo António Guterres, alto comissário da ONU para os refugiados, pelo menos 1500 pessoas já morreram só nas duas últimas semanas nesse mar. A isto acrescem números das autoridades italianas e gregas, respectivamente, de 15 mil e 10 mil pessoas a tentarem entrar nos dois países por essa via desde Janeiro.  
 
A alta representante para a política externa da UE, Federica Mogherini, declarou ontem que "as tragédias dos últimos dias, dos últimos meses, dos últimos anos, são demasiadas" e que são "necessárias medidas imediatas da parte da UE e dos estadosmembros". CARLOS COELHO concorda com a afirmação de que "já não há desculpas" mas lembra que os entraves se mantêm, da 'falta de vontade política dos estados-membros" à inacção deliberada da Frontex, quando o regulamento de que foi relator exige que o resgate de migrantes seja prioritário. Isto liga-se aos outros dois "problemas" que a agência refere e que o eurodeputado desconstrói: o de que a sua actuação depende do pedido de pelo menos um estado-membro e o da falta de dinheiro.  
 
São ambos verdade, admite ao i, mas verdade também é que a UE continua a cismar numa "actuação concertada ao nível comunitário" quando provas já foram dadas de que não está a resultar. Senão veja-se o facto de a operação italiana Maré Nostrum ter perdido financiamento quando a UE criou a Triton, alocando menos recursos financeiros e humanos às missões. "Um colega meu espanhol, o Díaz Mera, que foi director nacional do corpo de polícia espanhola, chamoulhe Tritonzinho, porque não está de modo nenhum ao nível da Mare Nostrum. E aqui não vejo porquê dar meios à Frontex e não a países como Itália se as suas operações são mais eficazes. Estamos aqui os dois a falar e daqui a uma hora pode haver mais 300 mortos. E amanhã [hoje] os jornais, incluindo o seu, vão encherse das declarações compungidas dos líderes: [o presidente do Conselho] Tusk vai dizer que tem muita pena, [o presidente da Comissão] Juncker, vai dizer que lamenta a tragédia mas o facto é que já temos um regulamento que dita que a missão da Frontex é salvar vidas. Está na hora de ser posto em prática". J.A.V  
 


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