Notícia incorrecta do Expresso sobre a Constituição europeia e o mar

7 de Novembro, 2004

Comunicado do Ministério dos Negócios Estrangeiros

 

 

         O artigo “Portugal perde direito ao mar” inserido na primeira página do semanário “Expresso” de 6 de Novembro corrente contém informação inexacta que convém esclarecer:

 

         Afirma-se no referido artigo que:

 

         1) “…a Constituição Europeia retira a Portugal a soberania sobre a sua Zona Económica Exclusiva (ZEE)…” e ainda “… o Tratado não só coloca fora da soberania portuguesa a actividade pesqueira, como também a investigação de micro-organismos valiosos para aplicação em processos de biotecnologia…”.

 

         2) Contém ainda o referido artigo citações de alguém afirmando que “…Governo português aceitou transferir a soberania do mar para a U.E. no quadro da Conferência Intergovernamental e da discussão da convenção Europeia” e acrescenta “…esta cedência deveu-se à pressão da fúria das frotas pesqueiras mais poderosas e predadoras, como a espanhola”.

 

         Assim, e quanto às afirmações citadas quer no primeiro quer no segundo parágrafos importa esclarecer o seguinte:

 

         1º. O I-13º, d) do Tratado que estabelece uma Constituição para a Europa, assinado a semana passada em Roma estabelece que, entre outros, é domínio de competência exclusiva da União Europeia “a conservação dos recursos biológicos do mar, no âmbito da política comum das pescas”. É de sublinhar que este aspecto se refere à Política Comum de Pescas que nada tem de inovador face ao que sempre se aplicou em Portugal desde a sua adesão em 1986 às Comunidades Europeias.

 

         A Política Comum de Pescas, que existe desde 1957, e estabelece as regras aplicadas nas águas dos Estados Membros, fá-lo de forma inequívoca desde o acórdão exarado em 1976 pelo Tribunal do Luxemburgo no caso Kramer, estabelecendo claramente, e desde então sem contestação, que é competência exclusiva da União Europeia a conservação dos recursos biológicos do mar, no âmbito da política comum das pescas, ou seja, precisamente o que é agora apresentado sob outra forma no Tratado que estabelece uma Constituição para a Europa.

 

         Assim sendo, a primeira conclusão é de que o artigo I-13º, alínea d), nada traz de novo face ao que se aplica desde 1976 na União Europeia e em Portugal, desde a sua adesão em 1986, nem introduz qualquer alteração quanto à nossa soberania

 

         2º. É igualmente do maior interesse registar que os artigos 12º e 13º citados na notícia do semanário “Expresso” não só nada alteraram em termos de substância ao que se tem aplicado na União Europeia desde 1976 como também nada alteram face ao que foi proposto, longamente debatido e aprovado pela Convenção Europeia, que recorde-se durou um ano e meio (desde inícios de 2002 até Junho de 2003).

 

         Ora na Convenção Europeia participaram representantes do Governo português chefiados pelo Professor Hernâni Lopes, mas também deputados da Assembleia da República de vários partidos, deputados portugueses do Parlamento Europeu e o próprio Comissário português, António Vitorino. Ou seja, houve uma altura em que o assunto, caso introduzisse, como o noticia o “Expresso”, uma alteração face à situação em vigor, seria seguramente detectado pelo menos por alguns dos vários portugueses presentes na Convenção e não seria nunca aprovado sem contestação. Como se sabe, tal não aconteceu. O assunto só surge agora pela primeira vez na primeira página de um jornal de forma tardia face a um debate encerrado e de forma inexacta face à substância que induz o leitor a acreditar que o Tratado introduz uma alteração que não se verifica.

 

         3º. É ainda de salientar que esta notícia, com o destaque que teve na figuração do jornal, não haja sido confirmada junto de nenhum membro do governo português participante na Conferência Intergovernamental ou na Convenção Europeia, ou pelo menos junto de alguns dos deputados dos vários partidos, do governo e da oposição que trabalharam e conhecem de forma rigorosa o conteúdo do texto do novo Tratado que estabelece uma Constituição para a Europa.

 

         4º. Em suma, o artigo do “Expresso” transmite uma informação incorrecta induzindo o leitor a uma conclusão deturpada dos factos. Assim nem a Constituição tira mar a Portugal, nem os artigos 12º e 13º são “fruto de predadores de frotas poderosas” nem o assunto passou despercebido aos 10 representantes portugueses que na Convenção Europeia tão bem souberam defender os interesses nacionais.