Primeiro-Ministro Durão Barroso fala na AR sobre o Futuro da Europa

12 de Junho, 2003

Intervenção

de

Sua Excelência o Primeiro-Ministro

Assembleia da República, 12 de Junho de 2003

 

 

Senhor Presidente

Senhoras e Senhores Deputados

Quero começar a minha intervenção por comunicar a esta Assembleia com orgulho e com sentido de dever cumprido que esta manhã, em Bruxelas, na reunião dos ministros da Defesa da NATO, Portugal viu confirmado um grande objectivo e registou uma importante vitória. Ficará em Portugal um dos três únicos comandos operacionais da Aliança Atlântica.

Quando muitos davam como perdido o nosso Quartel-General da NATO, eu e o meu Governo acreditámos que era possível. E foi.

Esta decisão é o resultado de um grande esforço, é a prova da nossa centralidade atlântica e da relevância do nosso papel no novo ambiente estratégico do século XXI.

Trata-se de uma grande vitória para Portugal.

Senhor Presidente

Senhoras e Senhores Deputados

Se estamos no coração da relação transatlântica, estamos também no núcleo duro da construção europeia.

Tem existido em Portugal um grande consenso europeu. Esta é uma mais valia da máxima importância. Devemos manter e aprofundar este consenso. Isso é bom para o reforço da posição de Portugal na Europa.

A União Europeia é um grande projecto. Seguramente o projecto mais importante na história da Europa dos últimos séculos. Um projecto que assentou numa ideia original – a ideia de paz e de segurança para o nosso Continente. Mas um projecto que rapidamente evoluiu para a construção de um grande espaço de liberdade, de democracia, de justiça, de desenvolvimento económico e de prosperidade social. Tudo na base do respeito pelas diversidades próprias, pela dignidade dos Estados Membros e pelo primado da pessoa humana.

Foi esta ideia que sempre norteou as posições de Portugal em todas as negociações europeias. Independentemente da cor política dos Governos. Por isso o consenso foi sempre possível.

Também agora – nesta fase crucial de novas negociações – pode e deve ser assim. O que nos une, nesta matéria, é mais, muito mais importante, do que aquilo que nos separa. E o que nos une é Portugal, é a ideia de Europa, é a construção de um País mais moderno e desenvolvido.

Senhor Presidente

Senhoras e Senhores Deputados,

Dentro de poucos dias, com a apresentação ao Conselho Europeu de Salónica do resultado dos trabalhos da Convenção sobre o futuro da Europa, concluir-se-á uma etapa no processo de revisão institucional da União Europeia, assim se abrindo o caminho à realização da Conferência Intergovernamental que tomará as decisões sobre as reformas a introduzir nos actuais Tratados.

É este, por isso mesmo, antes do Conselho Europeu, o tempo de vir ao Parlamento dar conta do trabalho realizado até hoje e definir as grandes orientações em relação ao futuro.

Em todo este processo Portugal esteve sempre na linha da frente dos que defenderam a preservação das características que estão na base do sucesso do projecto europeu.

Actuámos aos mais diversos níveis, aproveitando todos os contactos directos entre os Governos. Eu próprio me empenhei nos encontros que tive não só com os meus homólogos da União Europeia, mas também dos futuros Estados Membros.

Cabe aqui destacar que foi o Representante do Governo Português na Convenção que apresentou o documento que viria a ser aprovado por 16 Representantes de Governos, e no qual estão claramente patentes os principais princípios que norteiam o posicionamento de uma maioria de Estados-Membros da União, designadamente de Portugal.

Trata-se da afirmação de três princípios essenciais:

- o princípio da igualdade entre os Estados Membros;

- o princípio do equilíbrio institucional;

- o princípio do método comunitário no processo decisório da União.

São três princípios básicos que ajudaram a fazer até hoje o sucesso do projecto europeu. É por aqui que devemos seguir. A solução de futuro não está em menos Europa, mas em mais e melhor Europa.

Senhor Presidente,

Senhoras e Senhores Deputados,

Portugal parte para esta negociação com um espírito aberto e construtivo. Só teremos a ganhar se, para além do nosso interesse imediato, procurarmos contribuir para o bom funcionamento de uma União alargada, assente num conjunto de valores que reputamos essencial preservar.

- Desde logo, o respeito pelo princípio da igual dignidade dos Estados-Membros. Este é um pilar fundamental da União Europeia, assumido desde a sua fundação. Não é uma questão de egoísmo nacional. É um traço matricial do projecto europeu.

- Em segundo lugar, o equilíbrio institucional e o método comunitário, que estiveram na base do sucesso da construção europeia durante mais de 50 anos e que assumem uma ainda maior importância no contexto duma Europa alargada.

É certo que importa garantir a eficácia do processo de tomada de decisão. Mas decidir eficazmente nem sempre corresponde a decidir rapidamente. A verdadeira eficácia é aquela que permite que as decisões tomadas pela União sejam aceites pelos seus verdadeiros destinatários: os cidadãos europeus.

É neste quadro que assume particular importância uma proposta já assumida pela Convenção: a criação de um mecanismo que permita um maior envolvimento dos Parlamentos Nacionais na fiscalização do princípio da subsidiariedade.

Porque queremos o sucesso da Conferência Intergovernamental sabemos que teremos de ser realistas. Nem Portugal nem nenhum outro Estado Membro conseguirá tudo o que pretende nesta negociação. Estaremos por isso atentos às possibilidades de compromisso sempre que justas e razoáveis.

Mas não deixaremos de nos opor a soluções que levem ao desequilíbrio do sistema institucional da União. É o caso da criação de um poderoso Presidente do Conselho Europeu rodeado de uma máquina administrativa própria, que remeta a Comissão para o papel de simples secretariado do Conselho ou que crie uma situação de permanente conflito inter-institucional.

Na mesma linha, seremos contra as tentativas de colocar em causa as principais características da Comissão, nomeadamente a sua independência, colegialidade e direito exclusivo de iniciativa nas áreas de competência comunitária.

Registo com satisfação que a Comissão que consta da última versão do ante-projecto de Tratado corresponde às nossas propostas: uma Comissão coesa, que terá por isso condições para ser forte; uma Comissão em que a presença de Portugal estará sempre assegurada e em que se observará rigorosamente o princípio da igualdade entre os Estados-Membros.

Afirmaremos, igualmente, a nossa oposição, e com toda a veemência, às soluções de tipo directório ou que sirvam para certos Estados-Membros, numa visão estreita e egoísta do seu interesse nacional, procurarem alterar a seu favor o equilíbrio de poder no seio da União.

Numa palavra: sabemos o que queremos e o que não queremos, onde estamos e para onde desejamos ir.

Não recusaremos discutir nenhuma ideia, nem mesmo a de um Presidente do Conselho Europeu, desde que as suas características não colidam com os critérios que referi, e desde que, paralelamente, se reforce a Comissão Europeia, que consideramos o verdadeiro motor e pólo de equilíbrio do processo de construção europeia. A mesma disponibilidade oferecemos para aceitar a figura de um Ministro dos Negócios Estrangeiros Europeu, por forma a dar maior coerência à acção externa da União.

Numa palavra: teremos neste processo uma posição aberta, firme e empenhada. Estar na Europa é um exercício permanente de negociação e de compromisso. De conciliação entre o ideal europeu e o interesse nacional.

É esta mesma atitude que nos leva a dizer, a propósito da recente questão das pescas, o seguinte: a actual proposta no âmbito comunitário acerca dos esforços de pesca é absolutamente inaceitável para Portugal.

Tal posição, se fosse aprovada, sem alterações, colocaria em causa o sector das pescas em Portugal. Isso é inaceitável, à luz do interesse nacional e à luz do ideal europeu.

Impõe-se, assim, uma posição de clareza e de firmeza. É o que não desistiremos de fazer.

Senhor Presidente,

Senhoras e Senhores Deputados,

É tempo de concluir. E concluo com duas breves referências: a primeira sobre o papel que queremos para a União Europeia no Mundo.

Somos a favor de uma Europa aberta ao Mundo, nunca uma Europa fechada sobre si própria; uma Europa que se afirme pelos seus valores e interesses, nunca por oposição a quem quer que seja; uma Europa que se fortaleça no estreitamento das relações com os seus amigos e aliados na construção de um verdadeiro espaço de segurança e defesa.

A última referência é para exprimir a minha convicção de poder contar com a confiança e o apoio activo do Parlamento neste difícil processo.

Quero mesmo propor aqui, desde já, a criação de um Grupo de Contacto entre o Governo e a Assembleia da República, por forma a que o Parlamento Português possa acompanhar, em permanência, todas as negociações da próxima Conferencia Intergovernamental.

É neste espírito de lealdade e de abertura que devemos trabalhar.

É essencial que desta negociação o projecto europeu saia fortalecido e o interesse de Portugal defendido. Sempre em clima de harmonia institucional e na busca do consenso político mais alargado.

Até por uma razão adicional: é desejável que a ratificação do próximo Tratado da União seja precedida de um referendo nacional que envolva todos os Portugueses neste debate e nesta decisão.

Cumpre-nos afirmar o projecto europeu e defender os interesses permanentes da Nação Portuguesa. Com a ambição com que sempre vivemos os grandes momentos da nossa História.

Como sempre, em nome de Portugal.

(José Manuel Durão Barroso)