Prós e Contras da Constituição europeia

18 de Setembro, 2003

1. A nova Constituição : prós e contras

1.A QUEM DECIDE É A CIG

Importa ter presente que a autoridade constitucional na União Europeia é a CIG.

Foi relevante o contributo da Convenção mas ela não tem poder decisório. Caberá aos Chefes de Estado e de Governo negociar e decidir.

Assim, o Tratado Constitucional que deverá vir a ser aprovado (necessariamente por unanimidade) e sujeito ao processo de ratificação em cada Estado Membro será o que resultar da Conferência Intergovernamental (CIG).

A análise que aqui publico é assim sobre o texto proposto pela "Convenção sobre o Futuro da Europa" presidida por Valéry Giscard d'Estaing. Ninguém pode assegurar, porém, que os pontos aqui focados permanecerão na decisão final a tomar pela CIG.

1.B UMA CONSTITUIÇÃO EUROPEIA

Não fui dos que me exaltei na defesa de uma Constituição Europeia.

Como defendi, na Moção Global de Estratégia que o PSD de Santarém submeteu ao Congresso do Partido, uma Constituição não é o que a Europa mais necessita para resolver os seus problemas.

Mas não subscrevo a posição daqueles que vêem nesse texto uma perigosa ameaça à identidade de cada Estado Membro. Creio mais feliz a designação de "Tratado Constitucional" e sublinho, na substância, a necessidade de simplificar o emaranhado de Tratados (que desencoraja qualquer jurista) e de agilizar os processos legislativo e de decisão.

É evidente que o alargamento condicionou em larga medida o desenho das soluções.

Ninguém deseja seriamente o bloqueio das instituições da União e todos compreendem que utilizar, numa Europa a 25 ou a 27, os mecanismos de decisão que, no essencial, foram desenhados para uma Europa a 6, seria correr um sério risco de degradação do funcionamento da União Europeia.

A palavra de ordem foi pois: a EFICÁCIA. Assegurar que a União Europeia pode funcionar no contexto da NOVA EUROPA emergente. Uma União maior, com mais Estados, mais cidadãos, mas também mais assimetrias e mais problemas.

1.C. O QUE É MAIS POSITIVO

Das propostas da Convenção sublinho o mais positivo:

- COMPOSIÇÃO DA COMISSÃO EUROPEIA

Ao contrário do que defendiam os "grandes" ficou assegurada a igualdade de tratamento entre todos os Estados Membros.

- CARTA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS

Assimilada no texto dotada de valor jurídico vinculativo.

- ESPAÇO DE LIBERDADE, SEGURANÇA E JUSTIÇA

Uma das áreas com maior desenvolvimento e inovação, sublinhando a necessidade da cooperação policial e judicial no combate ao crime transnacional emergente.

- FIM DO SISTEMA DOS PILARES

Extinção do bizarro, confuso e gerador de problemas e conflitos, sistema dos três Pilares, que havia sido criado com o Tratado de Maastricht.

- VOTO NO CONSELHO

Simplificação do sistema de voto no Conselho relativamente à solução complexa que havia sido prevista no Tratado de Nice (Tripla maioria).

- LIGAÇÃO AOS PARLAMENTOS NACIONAIS

Valorização da ligação aos Parlamentos nacionais.

- COESÃO

Manutenção do objectivo da Coesão Económica e Social e do apoio às regiões mais desfavorecidas.

- ULTRAPERIFERIAS

Manutenção da referência explícita às ultraperiferias e a designadamente aos Açores e à Madeira.

1.D. O QUE É MAIS NEGATIVO:

- FIM DAS PRESIDÊNCIAS ROTATIVAS

O sistema das Presidências rotativas permitia uma maior identificação entre os cidadãos europeus e as distantes instituições. Estimulava uma saudável competição entre os Estados e os seus Governos para desempenhar bem a função, o que fazia com que a "Capital da Europa" se deslocasse para o seu país. Projectava a imagem de cada Estado no Plano Internacional.

As Decisões dos Conselhos de Lisboa, da Feira, de Dublim, de Copenhaga, etc. projecta na História da Europa a ideia de uma construção que é património de todos e a todos envolve. O fim das Presidências rotativas deixa tudo isto a perder.

- CRIAÇÃO DO PRESIDENTE DO CONSELHO

O fim das Presidências rotativas é uma das consequências da criação da figura do Presidente do Conselho que representa a União sem prejuízo das competências próprias do Ministro Europeu para os Negócios Estrangeiros.

Preocupante agora, poderá ser a fricção e a rivalidade que naturalmente se estabelecerá entre o Presidente do Conselho e o Presidente da Comissão sendo certo que este terá maior legitimidade democrática e que corresponderá mais ao ideal comunitário (o Presidente do Conselho tenderá a ser o "Campeão" do intergovernamental).

- A EXTENSÃO E COMPLEXIDADE DO TRATADO

Ao contrário de uma das motivações iniciais o Tratado proposto é grande e complexo (cerca de 460 Artigos, além dos Anexos e Protocolos Adicionais). Só com grande dose de ingenuidade se pode sugerir que, agora, os cidadãos europeus acederão com facilidade ao seu Tratado Constitucional

2. Europa dos fortes ou Europa dos fracos

A lógica da criação da UE é que o espaço europeu seja um espaço forte na legítima competição internacional com outros fortes. Uma União forte não se faz com membros fracos. Isso não é do interesse de ninguém, nem da União no seu todo nem de cada Estado em particular.

A própria criação da moeda única com a supressão das moedas fracas contribuiu para esse desiderato. Temos uma moeda comum capaz de disputar nos mercados financeiros com as outras moedas fortes do mundo, que gera confiança, estimula o investimento estrangeiro, combate a inflação e potencia o desenvolvimento.

A verdadeira clivagem não é assim entre fortes e fracos mas tem sido, infelizmente, entre grandes e pequenos. Isso foi claro na negociação do Tratado de Nice onde emergiu a tentativa da defesa encapotada de uma "política de Directório" dos grandes Estados-Membros, criando uma nova relação de forças. Saiu de Nice um modelo de Europa assente na desigualdade entre Estados-Membros, que prejudica os interesses de Portugal e dos mais pequenos Estados-Membros.

Na prática, os Estados-Membros que aceitaram finalmente perder o seu segundo comissário, só o fizeram após ter a certeza de beneficiar com a nova ponderação dos votos no Conselho.

Não será de estranhar que assistamos na negociação do próximo Tratado Constitucional à reemergência desta polémica nociva à unidade e à coesão da Europa comunitária.

3. A nossa independência posta em perigo pelos mais fortes ?

Os críticos da nossa integração europeia esgrimem amiúde com a perda de soberania como se, em muitas áreas, deixassem de ser os portugueses a decidir para passarem a sê-lo os alemães ou os franceses.

A verdade é que, na estrutura comunitária, o que temos é uma partilha de soberanias. Na exacta medida em que franceses, alemães e outros co-decidem conosco questões que interessam aos portugueses, nós também temos o direito e a capacidade de tomarmos decisões em matérias que lhe interessem a eles.

Aspectos essenciais para o nosso país no plano externo (como foi por exemplo a defesa de Timor Leste), a valorização da língua e da cultura portuguesa, a protecção de interesses estratégicos, são aspectos que se encontram reforçados com a nossa pertença à União Europeia.

Por isso, tenho dito e repetido que não há nenhuma contradição entre mais Portugal e mais Europa. Nesta linha, lutar por mais Europa é lutar por um Portugal mais forte e respeitado na cena internacional.