Votar contra a ratificação do Tratado de Nice

12 de Junho, 2001

DISCURSO

de VALERY GISCARD DESTAING

(na Assembleia Nacional Francesa)

Terça-feira 12 de Junho de 2001

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- Declaração de voto-

Projecto de lei que autoriza a ratificação do Tratado de Nice

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Senhores Ministros,

Caros colegas,

 

Os Deputados da UDF não irão votar a favor da Ratificação do Tratado de Nice.

Pela primeira vez na História da construção europeia, os membros da família política a que pertenceram Robert Schuman, Jean Lecanuet, e aqueles que contribuíram para a criação do Conselho Europeu, do Parlamento Europeu e do Euro, não irão aprovar um Tratado relativo à Europa.

Que razões nos levam a recusar esta ratificação?

Tratando-se de um Tratado, há duas perguntas que legitimamente podemos fazer:

  • Este Tratado é favorável à França?
  • Contribui para o avanço da construção europeia?

1. O Tratado de Nice é desfavorável aos interesses da França.

Não podemos esquecer que a França é um país fundador e mesmo o país fundador da União Europeia.

Não exigimos privilégios para a França, mas reclamamos o lugar que corresponde à sua importância e à sua experiência europeia que remonta a meio século.

Não é isso, porém, o que se verifica com este Tratado.

Analisemos o exemplo da Comissão Europeia.

Actualmente, é composta por 19 Comissários, dos quais 2 franceses.

O objectivo inicial da negociação era reduzir este número para um valor situado entre 12 e 15 Comissários.

Foi isso que nos disseram, Senhores Ministros, nas reuniões da Comissão dos Negócios Estrangeiros, cujas actas tenho aqui em meu poder.

O documento preparatório, elaborado pela Comissão, propunha um limite de 20 membros.

Ora o Tratado de Nice, surpreendentemente, elevou o número de Comissários para 27 e suprimiu o segundo Comissário francês !

A supressão do nosso segundo Comissário apenas seria aceitável se contribuísse para a redução efectiva do número de Comissários.

Actualmente, há dois Comissários franceses em 19.

Depois de Nice, passará a existir um Comissário francês num total de 27.

Verificamos a mesma evolução no Parlamento Europeu, no qual o número dos nossos Deputados será reduzido de 87 para 72, enquanto que o número dos alemães, outrora igual ao nosso, permanece inalterado, com 99 Deputados, e o número total dos parlamentares, limitado a 700 pelo Tratado de Amesterdão, é elevado para o valor pouco razoável de 732 !

A França, cuja população representará 12,25% da população da Grande Europa, poderia legitimamente aspirar a 3 Comissários e 85 Deputados!

O lugar que lhe é atribuído não é nem realista nem adequado.

Creio mesmo que, se auscultarem o povo francês sobre esta matéria, receberão como resposta uma balada irlandesa !

Os sacrifícios que nos são exigidos poderiam ter uma justificação se tivessem contrapartida num avanço na construção europeia.

Ora, os Senhores estão tão pouco convencidos disso que, ainda não secou a tinta da assinatura que apuseram no Tratado de Nice, e já iniciaram uma fuga para a frente para negociar um novo Tratado em 2004.

Não têm nenhuma hipótese de serem bem sucedidos !

Quanto mais a Europa se alarga, mais se torna impossível reformá-la !

Os novos membros nunca aceitarão renunciar aos direitos que acabam de obter e que apresentaram à sua própria população como justificativos da adesão.

 

2. O Tratado de Nice arrasta a Europa para um percurso cheio de ciladas, de onde se vislumbra um sério risco de crise.

Digam-nos primeiro de que Europa é que falam...

Ao ouvir-vos, percebemos que já estão a pensar numa Europa com 27 membros.

É uma opção possível, mas é necessário que assumam as respectivas consequências.

Essa "Grande Europa", que terá por mérito o que não é de menosprezar o facto de se abrir a todos os países candidatos incluindo a Turquia, (em relação à qual, os Senhores assumiram, no Conselho Europeu de Helsínquia, um compromisso solene) esta "Grande Europa" não pode ter como objectivo um elevado grau de integração, nem dotar-se de instituições federais.

Chegou o momento de sairmos do nevoeiro em que se envolveu a opinião pública, fazendo crer que seria possível prosseguir simultaneamente a integração e o grande alargamento.

Ao precipitarem-se para o grande alargamento, sem procurar soluções mais elaboradas, ao deixarem-se manobrar pelos adversários da integração europeia que depararam com uma oportunidade inesperada para fazer abortar este projecto, os Senhores optaram pela via da Confederação europeia, embora não aceitando essa designação.

É o dicionário Robert que vos esclarece: «Designa-se por confederação uma união entre vários Estados que se associam, conservando simultaneamente a sua soberania».

O Tratado de Nice significa que, no seguimento do debate iniciado por volta de 1960 entre aqueles que defendiam uma grande zona de comércio livre na Europa e aqueles que tentavam criar as instituições de uma Europa política integrada, os Senhores optaram pela Confederação, ou seja, pelo grande mercado, complementado por uma eventual cooperação entre os Estados.

Visto que fazem da Grande Europa um grande mercado e uma simples Confederação, proporcionem-lhe, pelo menos, as instituições adequadas !

Têm consciência, meus caros colegas, que quando o Tratado de Nice for totalmente aplicado, os seis novos e mais pequenos Estados-membros, que representarão 1,8% da população da Europa, terão 6 Comissários, ou seja, duas vezes mais do que a França, a Grã-Bretanha e a Alemanha juntas !?

Acabaram de dizer-nos que esta Comissão poderia tornar-se o governo da Europa: um governo de 27 Ministros que apenas incluiria um único francês e um único alemão. Seria pensável que, algum dia, um governo cometesse a imprudência de propor tal aberração ao povo francês?

O nosso projecto é diferente.

É composto por dois passos.

Um deles é a organização da Grande Europa, no sentido de estabelecer laços sólidos e pacíficos entre todos os povos que vivem no nosso continente. Esta organização seguirá a via confederal.

O outro é prosseguir o projecto inicial: o projecto de uma União Política, reunindo os Estados que sentem a necessidade de construir, na Europa, um todo coerente e eficaz, capaz de expressar, com peso na cena internacional, os nossos interesses e os nossos valores.

Seria a Federação Europeia no seio da Confederação da Grande Europa.

Neste momento, este projecto conta com poucos defensores entre os actuais dirigentes europeus.

Contudo, pode contar, com o passar do tempo, com o mais seguro e mais determinado de todos os defensores: a necessidade !

Aguardando que, um dia, seja objecto de uma nova proposta por parte dos países fundadores, em especial da França e da Alemanha, devemos ter grande cuidado em proteger a semente que nos foi confiada: a semente do euro !

Sobre este assunto, Senhores Ministros, faço-vos uma sugestão: Não corram o risco de impor às pequenas empresas francesas as limitações da passagem simultânea para o euro e para as 35 horas ! Como a data de entrada em vigor do euro foi fixada para 1 de Janeiro de 2002, seria razoável adiar por um ano a aplicação das 35 horas às pequenas empresas.

Meus caros colegas,

Os Deputados da UDF debateram o sentido do seu voto.

O Tratado de Nice vai ter um destino francamente patético: Podem conseguir a maioria necessária para ratificá-lo, mas nunca conseguirão obter uma maioria para aprová-lo !

Não queríamos ter de votar "não", pois não queríamos, na sociedade simplista em que vivemos, parecer estar a dizer não à Europa.

Contudo, não vamos ratificar o Tratado de Nice, pois este apresenta-se como um mau compromisso, que já se tornou provisório, onde não vemos espelhado nem o nosso projecto, nem o nosso sonho: o nosso projecto de organizar a Europa política, e o nosso sonho de proporcionar-lhe meios para fazer ouvir, no tumulto da mundialização, a sua mensagem de humanismo e de razão.