Perspectivas Financeiras



22. Um comentário final

Sobre as "Perspectivas Financeiras", cabem cinco notas finais.

1. O Parlamento Europeu afirmou-se como autoridade orçamental

A Presidência britânica pareceu pretender exagerar a importância do Conselho ao sublinhar o processo de obtenção de consenso entre os Estados-Membros, apresentando-o como a última palavra.

Ora o orçamento é aprovado entre o Conselho e o Parlamento que são os dois ramos da autoridade orçamental. Nenhuma das duas instituições, só por si, pode decidir nesta matéria.
O Parlamento Europeu sublinhou ao recusar a "chantagem" da última palavra do Conselho, aumentando em 4 mil milhões de euros o tecto das despesas para os programas que tinham sido severamente cortados (Sócrates, apoio às PME, etc).

2. O receio da crise

A despeito das fragilidades do acordo encontrado, foi com um suspiro de alívio que todos o aceitaram como o quadro financeiro para os próximos 7 anos.
No fundo, todos receavam uma nova crise europeia se houvesse um impasse na decisão sobre as Perspectivas Financeiras. Uma das críticas que mais pesa sobre a União Europeia é a crescente dificuldade em tomar decisões no espaço de tempo em que elas são necessárias. Acresce que um bloqueio relativamente às Perspectivas Financeiras teria como consequência a paralisia de financiamentos comunitários a partir de 2007 como se explicou neste dossier. Esta é a principal razão pela qual, mesmo aqueles que protestam relativamente à insuficiência dos fundos previstos, se congratulam ainda assim pelo facto de se ter evitado uma nova crise europeia.

3. Bom para Portugal

Numa perspectiva meramente nacional, Portugal conseguiu com sucesso superar todas as expectativas ao manter o mesmo montante de ajudas e flexibilizar os métodos para os utilizar. Num contexto adverso e ao contrário do que se esperava, Portugal não sai propriamente afectado pela entrada dos 10 novos Estados-Membros, nem tão pouco pela contenção orçamental que afecta a maioria das contas públicas nacionais.

4. Um mau orçamento para a Europa

Este quadro orçamental não deixa porém de ser mau para a Europa.
Como Durão Barroso tem afirmado, não é possível termos mais Europa com menos dinheiro. Ora, estas Perspectivas Financeiras não estão à altura das exigências da actualidade e das necessidades de que a União Europeia padece.
A hipocrisia da solução encontrada traduz-se na criticável evidência que a União Europeia entre 2007 e 2013 terá orçamentos anuais inferiores aos que teve entre 2000 e 2006. E entretanto, a União Europeia cresceu e abraçou ambiciosos e dispendiosos objectivos.
A União Europeia conta hoje com 25 Estados-Membros. Os 10 novos Estados padecem de profundos atrasos de desenvolvimento e reclamam a solidariedade dos demais Estados-Membros. Uma política de coesão eficiente e justa é, mais do que nunca, imprescindível.
A União Europeia tem hoje novas prioridades. Não se trata mais apenas da Europa da agricultura, das pescas e do mercado comum. A UE abraçou novos objectivos em termos de Política Externa e de Segurança Comum (com a realização de diversas operações de manutenção da paz em diversos pontos do globo), em termos da definição e execução da Estratégia de Lisboa (que compromete a UE na adopção de mecanismos que contribuam para o aumento da competitividade e para a geração de emprego), em termos da construção de um Espaço de Liberdade, Segurança e Justiça (que compreende medidas comuns no âmbito da luta contra o terrorismo e a criminalidade, aumentando a segurança dos cidadãos europeus).
Não faz sentido definir novos objectivos e abraçar novas metas não atribuindo os correspondentes recursos financeiros. Isso só redundará no aumento da frustração e do sentimento de ineficácia das instituições europeias.

5. Europa precisa-se

Defender este quadro orçamental como um sucesso para a Europa releva da hipocrisia e da má-fé. É difícil compreender que quem defendeu que um orçamento de 1.03% do RNB era catastrófico para a UE venha agora sustentar que com 1.045% saímos da crise!
Parece que o espírito europeu se perdeu quando as reuniões do Conselho Europeu se transformaram numa espécie de luta de merceeiros que não dão tréguas às suas calculadoras. Estas cimeiras não passam de uma simples adição de 25 interesses nacionais, sem qualquer mais-valia europeia. São 25 Estados-Membros a discutirem um bolo cada vez mais pequeno.
Este método de negociação está mais do que esgotado. A Europa não precisa de contabilistas, precisa antes de tudo de homens políticos que acreditem no projecto europeu.

É por isso que, ao contrário do que alguns insinuam, precisamos de mais Europa e necessitamos de uma reforma profunda dos fundamentos das Perspectivas Financeiras que envolva os recursos próprios, a estrutura da despesa e o processo de decisão.