"A despeito do artigo 151° do Tratado de Amsterdam, a cultura tem sido o parente mais pobre no desmultiplicado aparato de programas e de meios financeiros, técnicos e humanos, mobilizados para o projecto europeu. Dir-se-á que os objectivos que presidiram, há cinquenta anos, ao alicerçar da casa europeia em que hoje vivemos, eram mais especificamente económicos e sociais. Dir-se-á também que as políticas europeias sofreram, ao longo destas cinco décadas, muitos e desvairados impulsos, nas mais variadas conjunturas e pelas mais diversas razões", afirmou o Deputado Vasco Graça Moura no Plenário do Parlamento Europeu no debate sobre o programa Cultura 2000.
O Parlamento Europeu aprovou ontem, em Bruxelas, o projecto comum saído da reunião do comité de conciliação entre o PE e o Conselho do passado dia 9 de Dezembro, sobre o programa Cultura 2000.
Para Vasco Graça Moura, "a conciliação chegou a soluções satisfatórias quanto a quase todas as alterações aprovadas em segunda leitura, podendo reputar-se consagrado em termos razoáveis o entendimento de fundo deste Parlamento e, nomeadamente, a prioridade política da criação de condições para que as acções enquadradas por Cultura 2000 alcancem o maior número possível de cidadãos.
Já quanto aos aspectos orçamentais, a delegação do Parlamento defrontou-se com a irredutibilidade do Conselho no tocante ao aumento da verba de 167 milhões de euros prevista inicialmente. Assentou-se todavia numa solução mitigadora desta posição: por via dela, a Comissão comprometeu-se a apresentar, antes de 30 de Junho de 2002, um relatório sobre o funcionamento do programa em que se pronunciará sobre a suficiência ou insuficiência dos recursos financeiros disponíveis e proporá eventualmente uma revisão deste ponto.
Não devendo esconder-se que o êxito de tal proposta dependerá, em última análise, de ter sido entretanto encontrado um mecanismo institucional correspondente ao sentido elementar do termo "conciliação", concluo propondo a este plenário seja favoravelmente votado o projecto comum aprovado pelo comité de conciliação sobre o programa Cultura 2000 e faço, desde já, os melhores votos pelo seu êxito".
Na sua intervenção, o Deputado português sublinhou que "no espírito dos pais fundadores da Europa não podia deixar de estar presente a matriz civilizacional que os levou a quererem criar condições duradouras para a paz. Essa matriz civilizacional é feita de uma profunda diversidade cultural. Uma Europa das identidades nacionais pode viver longamente em paz e prosperidade, se essa diversidade cultural mantiver a sua vitalidade, eliminando a mesquinhez e a agressividade dos ressentimentos que, por via de regra, levam aos nacionalismos exacerbados.
Para que tal aconteça, acrescentou Graça Moura, são imperiosos o conhecimento recíproco e a partilha dos valores do humanismo cívico e da tolerância, do saber, da criação artística e da demais criação cultural, que enraízam no fértil húmus europeu e exprimem o que há de mais nobre e de mais profundo no espírito humano. Em consequência, e para que esse conhecimento e essa partilha se tornem possíveis em plenitude, eles têm de assentar numa concepção da cultura como dimensão essencial da democracia europeia.
Sem dúvida que a convergência real, a coesão económica e social, a moeda única, a luta contra o desemprego e a exclusão, a concorrência, correspondem à criação de conjuntos de condições que visam proporcionar uma maior igualdade, um maior desenvolvimento, uma melhor qualidade de vida e melhores oportunidades aos cidadãos europeus. Sem dúvida que a política de defesa e segurança comum poderá reforçar uma identidade e uma afirmação europeias no mundo.
Sem dúvida que a política de defesa dos direitos humanos aspira a uma projecção universal. Mas se as políticas voltadas para a cultura não vierem dar um sentido superior e claramente distintivo a tudo isso, nem a Europa nem a democracia europeia poderão ir muito longe. É pela via da cultura, e só por ela, que muitos milhões e milhões de cidadãos podem reconhecer-se como europeus e cultivar, desenvolver e aprofundar esse sentimento da sua pertença à Europa".
Para Vasco Graça Moura, "é este golpe de asa que tem faltado à política europeia. Fala-se em cultura, em cooperação cultural, em acções emblemáticas, em grandes iniciativas, em redes de agentes e operadores culturais, mas evita-se cuidadosamente a referência a uma política cultural das instituições europeias que, aliás, em nada colidiria com o princípio da subsidiariedade. Fala-se mesmo, com uma retórica por vezes razoavelmente expressiva, da importância da cultura para o projecto europeu, mas destinam-se verbas ridículas a programas que deveriam servir em permanência e regularidade mais de trezentos milhões de pessoas, dando-lhes acesso a um património que lhes pertence e suscitando nelas uma activa e interactiva apetência pelo contacto com os grandes valores e as grandes criações que o constituem. Os cidadãos europeus que aqui representamos têm o direito de exigir das instituições da União uma atitude mais coerente, mais eficaz e, sobretudo, mais europeia".