Novas tecnologias na definição das políticas educativas
Novas tecnologias na definição das políticas educativas
ISMAI, 29.Out.2011
Carlos Coelho
Muito obrigado. Muito bom dia.
Queria agradecer o simpático convite do Professor Domingos Oliveira Silva, que cumprimento pelo excelente trabalho que fez e tem feito com o ISMAI, pela sabedoria, pela energia, pela sageza que emprestou a esta instituição e agradecer-lhe o facto de partilhar este palco com o Professor Diamantino Durão e o Professor Leopoldo Guimarães que já não via há alguns anos. E uma palavra de agradecimento ao Professor Trovão do Rosário que conheci ainda era eu um garoto de calções e ele já era uma pessoa importante, era Director-Geral, a quem nunca consigo dizer que não e que talvez tenha sido a primeira pessoa a falar-me no valor prospectivo da educação.
A educação tem um valor prospectivo muito grande porque, mais do que estar virada para o passado ou para o presente, tem que encarar o futuro. Uma criança que entre no sistema de ensino, (e já estou a excluir a educação pré-escolar), que entra no 1.º ano este ano, que entrou em Setembro na escola pela primeira vez, vai sair em 2020 se fizer a escolaridade obrigatória, se fizer o ensino secundário sairá em 2023 e nalguns percursos do ensino superior sairá em 2030 e portanto nós estamos a pensar, na projecção mais curta, quais são as necessidades daqui a dez anos e, na projecção mais longa, quais são as necessidades daqui a 20 anos (duas décadas): qual é o mercado de trabalho ? que sociedade teremos ? qual será o enquadramento económico, social e cultural ? Quais são as respostas educativas que temos que dar hoje para garantir que as pessoas que estão hoje a entrar no sistema educativo serão cidadãos úteis e com capacidade de integração no mercado de trabalho daqui a dez ou vinte anos: quais são as valências ? que capacidades ? que formações ?
Pois bem, se isso é um oceano de incertezas, a área das tecnologias de informação é uma área relativamente clara sob o ponto de vista de que se há coisa certa que os jovens, que as crianças que estão a entrar hoje no sistema educativo vão ter necessidade de saber e dominar serão seguramente as tecnologias de informação. Não apenas sob o ponto de vista da utilização dos instrumentos mas da lógica com que se abordam estas novas tecnologias. Eu recordo sempre uma história que tem muitos anos. Há mais de vinte anos estava eu com o Professor Doutor Vítor Crespo, (que estava no vosso programa e que não pode vir por razões de saúde), um homem notável, um homem muito inteligente, um homem que foi Ministro da Educação, que foi segunda figura da hierarquia do Estado Português, (foi Presidente da Assembleia da República), um grande docente... Os mais novos já não se recordarão do que isso era, mas quem tem mais idade na sala recorda-se, havia uns aparelhos que eram os vídeo tapes, que eram uns gravadores de televisão, com fita, e que a determinada altura tiveram um grande avanço tecnológico e podiam ser programáveis. Pois bem, esta figura ilustre que é o Professor Vítor Crespo confessava a uma audiência de professores que não conseguia programar o vídeo tape, não conseguia pegar na máquina que tinha em casa e fazer a programação para que o gravador começasse às nove da noite a gravar o programa de televisão que ele queria, e o neto dele de 7 anos disse-lhe: "Ó avô, eu faço isto num instante" e pegou no programador e programou o vídeo tape. Havia aqui um problema de lógica, de construção, não era seguramente um problema de inteligência, era um problema de acesso às novas tecnologias.
Há 15 dias, vi na TF1, na televisão francesa, uma coisa notável, não vai demorar muito para ser uma novidade viral no Youtube e nas redes sociais, que é um pai que para calar uma criança com pouco mais de um ano, lhe passou o iPad para a mão e a criança não sabe falar mas já sabe trabalhar com o iPad, carrega nos botões, pega nas fotografias, aumenta as fotografias, põe as fotografias a andar à volta, portanto, domina já grande parte dos instrumentos do iPad. Houve um dia que a mãe não tinha um iPad e deu a revista à filha e a bebé pega na revista, tenta alargar as fotografias, tenta virar as fotografias, carrega nas páginas, aquilo não dá nada e ela reage com alguma frustração e o pai, que filmou a cena, diz: "Para a minha filha, uma revista é um iPad que não funciona". Temos aqui uma criança com um ano a ganhar a percepção que o papel não vale nada e que o que interessa são mesmos os computadores...
Muito bem, pediram-me para falar sobre as novas tecnologias e o seu papel na definição das coisas educativas. Eu queria falar em três níveis: "As novas tecnologias como auxiliar da gestão educativa" será o primeiro nível; o segundo, "As novas tecnologias como instrumento didático"; e a terceira, "As novas tecnologias como área educativa".
As novas tecnologias como auxiliar da gestão educativa
Primeiro, a questão da gestão do sistema educativo. Dizem os especialistas em gestão que o que não se consegue medir não se consegue gerir. Isto é uma verdade, o que nós não conseguimos medir não conseguimos gerir e o que é verdade é que, na maior parte da área do sistema educativo português, não se consegue medir e quando se consegue medir é tarde demais.
Há um baixo nível de integração de informação, há um baixo nível de informatização e temos uma tradição terrível em Portugal, que várias pessoas na mesa e na assistência conhecem bem, que é a tradição que as estatísticas estão disponíveis tarde demais e muitas vezes com péssima qualidade. A Administração não sabe que horários tem espalhados pelo país, quais são as áreas, quais são as opções dos alunos e quais são as necessidades docentes e quando não se sabe, não consegue gerir.
Vamos ser claros, parte do problema político que nós tivemos no início deste ano lectivo com a gestão dos horários dos professores são consequência duma deficiente máquina da administração educativa. Um exemplo concreto aconteceu na área de Lisboa no início deste ano lectivo. Devido à crise económica e social houve muitos pais que tiveram que tirar as crianças dos colégios e os colégios que na passagem do 11.º para o 12.º tinham previsto abrir uma série de opções ficaram sem a capacidade de oferecer essas opções porque não tinham inscritos suficientes e os pais ficaram na dúvida do que é que faziam: ou matriculavam os seus filhos noutras opções que não eram aquelas que desejavam ou iam procurar essas opções fora do ensino particular e no ensino público. A maior parte deles fez isso. Acharam mais importante que os seus jovens pudessem seguir a formação que queriam, saíram do colégio e viraram-se para o ensino público. Muitos destes pais foram à DREL, à Direcção Regional de Educação de Lisboa, para perguntar quais as escolas públicas que tinham essa opção e tinham vagas. A senhora da DREL que os atendeu disse com muita simpatia: "Nós só sabemos essa informação daqui a um mês e meio". Ora as matrículas terminavam dentro de poucos dias, o que os pais tiveram de fazer foi ir pessoalmente escola a escola, batendo porta a porta para saber quais eram as escolas públicas que tinham aquela formação e que tinham vagas para inscrever os seus filhos, ou seja, a DREL, a Direcção Regional de Educação de Lisboa, não sabe a oferta pública que tem em cada momento...
Há pois neste nível das tecnologias, das novas tecnologias, enquanto instrumento de auxílio da gestão do sistema educativo, um grande défice em Portugal. Pode claramente fazer-se mais e melhor, é essencial que se faça mais e melhor para poder gerir melhor.
As novas tecnologias como instrumento didático
O segundo nível é "As novas tecnologias como instrumento didático" e, lato sensu, desde o software educativo até à informatização da sala de aula, ou seja, soluções mais integradas.
Sinceramente, não há aqui soluções milagrosas, o que é mais moderno e atraente não é necessariamente o mais eficaz. O New York Times, do dia 8 deste mês, publicou um estudo, The United States Department of Education, sobre a eficácia da informatização no sistema educativo americano. Sobretudo na matemática e no inglês comparou, em testes finais, alunos que tinham estado submetidos à influência activa das novas tecnologias com alunos que não estiveram submetidos ao mesmo impacto e a conclusão é surpreendente. Diz que não há alterações significativas entre os testes de uns e de outros, nem na área da matemática, nem na área do inglês.
Parece assim que, de acordo com este estudo norte-americano, a tecnologia não é assim tão importante enquanto ferramenta educativa. Algumas das notícias que foram feitas sobre este estudo dizem até com ar jocoso que as tecnologias novas podem tornar as aulas mais divertidas mas não ajudam a aprendizagem. Em termos grosseiros, poderíamos dizer que o computador não é mais eficiente do que um livro, era um dos títulos de uma das notícias.
Numa abordagem mais elaborada podemos dizer que há um sublinhado para a relevância do factor humano no processo educativo; mais vale um bom professor com uma tecnologia antiga do que um mau professor com uma tecnologia moderna. E aqui a soma dos factores positivos não é necessariamente solução de eficácia porque podemos ter um bom professor com uma tecnologia moderna, mas se o bom professor não dominar essa tecnologia não temos aqui uma soma positiva, podemos ter um resultado pior do que se o bom professor utilizar a tecnologia com que está habituado e em que revelou a sua capacidade e a sua mestria.
Os esquemas integrados muito sofisticados dependem de diversos factores, dependem daquilo que eu poderia chamar o ecossistema tecnológico, ou seja a rede da integração dos mecanismos, o domínio dos professores relativamente a essa tecnologia, a eficácia dos equipamentos e o software educativo e em Portugal temos claramente um défice de software educativo.
Há 15 anos, recordo-me que a Porto Editora teve uma atitude muito proactiva a editar software educativo; nos últimos anos isso não é tão evidente. Depois o software educativo teve vários problemas em Portugal e não só em Portugal, no resto da Europa também, que é o facto de depender dum sistema operativo. Um software educativo funcionava em ambiente Windows, não funcionava em ambiente Mac, não funcionava em Linux, não funcionava em sistemas operativos de código aberto e mesmo os softwares educativos que funcionavam só para ambiente Windows tendiam a não funcionar quando o Windows mudava. Cada nova versão do Windows tornava obsoleta a maior parte dos programas e das aplicações educativas que estavam no mercado até então.
A França, recentemente, tomou uma decisão radical: já não apoia softwares educativos para computadores que correm só em computadores directamente. Só apoia software educativo desenhado para correr na Net de forma a que seja lido em qualquer plataforma.
Este estudo do Departamento Norte-americano de Educação não nos deve no entanto levar a desvalorizar os computadores e a informática enquanto instrumento didático. Ela é muito importante, de uma forma geral, e é particularmente importante em casos específicos. É crucial, por exemplo, para nichos que correspondem aos alunos com deficiências, alunos com insuficiências invisuais, em que o computador lê em voz alta conteúdos, ou com insuficiências auditivas, em que sons podem ser traduzidos por cores ou por texto, são exemplos claros em que há uma mais-valia notável que a ferramenta informática pode trazer ao sucesso educativo, mas de uma forma geral gostaria de frisar isso, o computador não é uma panaceia.
As novas tecnologias como área educativa
Terceira e última dimensão, "As novas tecnologias como área educativa". A escola tem a responsabilidade de lutar contra as desigualdades. Nós não podemos permitir que uma criança, um jovem saia da escola acentuando mecanismos de desigualdade e, desde logo, a desigualdade no acesso à informação e ao saber. Dominar as ferramentas essenciais que já são essenciais hoje e que são provavelmente mais essenciais ainda daqui a dez ou vinte anos é seguramente uma responsabilidade crucial.
Os números às vezes servem para iludir realidades mas a maior parte das vezes ajudam-nos a perceber as tendências. Os números do acesso à net são incríveis. Nos últimos 15 anos, não é nos últimos 30, nos últimos 15 anos, em 1995 havia dezasseis milhões de utilizadores da net, dezasseis milhões no mundo inteiro em 95. Cinco anos mais tarde, em 2000, eram trezentos e sessenta e um milhões. Cinco anos mais tarde, em 2005, eram mil milhões e a previsão para o fim anual de 2011 anda perto dos dois mil milhões de utilizadores da net. Na última década, entre 2000 e 2010, o crescimento de utilização da web não foi nem 10%, nem 20%, nem 30%, nem 50%, nem sequer 100%. Entre 2000 e 2010, o crescimento de utilização da web foi de 445%. Todos os dias há duzentos e dez mil milhões de e-mails. Na população toda do mundo, somos perto de sete mil milhões e grande parte destes não tem acesso a computador. É verdade que 80% disto é spam mas todos os dias temos duzentos e dez mil milhões de e-mails a circular.
Pois bem, a escola deve garantir que todos devem saber utilizar estes instrumentos, a escola deve ter meios para garantir o acesso à net, deve ter meios de acesso à net, deve ter um ambiente que permita esse acesso, deve ter wireless, deve ter terminais na biblioteca para os alunos poderem ter acesso, não deve impor ferramentas, não deve impor um computador ou outro computador, seja o iPad, seja um laptop, seja um smartphone, seja qual for o instrumento que eu quero usar, eu devo ter acesso mas sem ter uma imposição.
A escola não impõe um tipo de esferográfica, de caneta ou de lápis. Eu posso usar uma Bic ou posso usar uma Montblanc, é da minha autonomia fazê-lo. Da mesma forma isso deve ocorrer com os instrumentos informáticos. Agora, a escola deve permitir que, no seu meio educativo, os alunos olhem para o mundo, que é um mundo cada vez mais global, que estejam integrados no século XXI.
Termino com uma referência aos problemas e aos riscos. Como tudo na vida, as novas tecnologias comportam problemas e riscos. A vida é um risco e nós não o podemos evitar, temos é que enfrentar esses problemas, de forma a poder prevenir uns e poder controlar outros.
Alguns tópicos de problemas e riscos:
primeiro, a autoridade das fontes. A informação da net não é toda igual, há informação mais precisa e há informação mais deturpada. Eu se quiser saber alguma coisa sobre o Freud, posso ir à Wikipedia mas, provavelmente, terei mais segurança se for ao site da Sociedade Portuguesa de Psicanálise porque aí a autoridade que está por trás da definição é mais legítima ou mais respeitável ou mais credível do que a Wikipedia, que é uma ferramenta social com contributos diferentes, uns mais precisos, outros menos rigorosos.
Segundo, a necessidade de separar o trigo do joio. Quando a informação é muita, isso é cada vez mais importante, ou seja, a formação para o juízo crítico, a capacidade de analisar informação e de fazer uma selecção, tal como saber diferenciar o que é essencial do que é acessório ou, se preferirem de outra forma, saber separar o que é o simplismo da complexidade. Uma coisa é tornar mais atraente ou mais fácil um raciocínio elaborado, outra coisa é trair a complexidade de um conceito reduzindo-o a um simplismo que é uma caricatura desse conceito. A net reforça esta necessidade.
E finalmente, o "copy paste". O "copy paste" é uma ferramenta fantástica no Word, está a ser um problema terrível de plágio em trabalhos académicos porque é cada vez mais fácil pegar num lado, copiar e passar para o outro. Em bom rigor, grande parte destes problemas não é nova, o que é nova é a dimensão, alguns destes problemas já começaram quando se introduziram as máquinas de calcular na sala de aula ou quando apareceram as fotocopiadoras. O problema agora é a dimensão e a facilidade. Muitos destes problemas não são problemas novos, a escala e a dimensão é que são novas graças à tecnologia.
Termino com a minha conclusão: acho que as novas tecnologias são essenciais, a escola não cumpre a sua função se voltar costas à modernidade mas é importante sublinhar que as novas tecnologias não são a panaceia, ou seja, se quiserem, nós não resolvemos a educação e os problemas da educação se nos vergarmos ao simplismo de que basta pôr um computador para tirar um professor.
Muito obrigado.
- 30 de Abril, 2018 - Carlos Coelho quer eleições europeias livres de interferências externas
- 23 de Março, 2018 - Carlos Coelho questiona Comissão Europeia sobre o programa Erasmus+
- 14 de Setembro, 2017 - “A educação é um direito humano fundamental e um bem público que tem que estar ao alcance de todos” - Carlos Coelho sobre o futuro do programa Erasmus +
- 17 de Junho, 2017 - Carlos Coelho assinala os 30 anos do programa Erasmus com olhos postos no futuro
- 2 de Maio, 2017 - A I Escola Europa foi um sucesso
- 2 de Fevereiro, 2017 - Aplicação do Programa Erasmus +
- 9 de Março, 2016 - Prémio Carlos Magno 2016 - Carlos Coelho felicita BEST Porto
- 4 de Março, 2016 - Luta contra o abandono escolar é de extrema importância para o sucesso económico e social da UE
- 23 de Dezembro, 2015 - Carlos Coelho defende mais atenção às Crianças
- 12 de Dezembro, 2014 - Carlos Coelho preocupado com a privacidade dos cidadãos europeus (Microsoft/EUA)
- 16 de Abril, 2019 - Resposta da Comissão Europeia a Carlos Coelho sobre protecção de jovens online
- 18 de Outubro, 2018 - Comissão Europeia responde a Carlos Coelho sobre a integridade da campanha eleitoral para as eleições do Parlamento Europeu de Maio de 2019
- 25 de Maio, 2018 - Comissão Europeia garante a Carlos Coelho reforço do programa Erasmus+.
- 30 de Abril, 2018 - Carlos Coelho questiona Comissão Europeia sobre cibersegurança e salvaguarda da integridade das eleições europeias
- 23 de Março, 2018 - Carlos Coelho questiona a Comissão Europeia sobre futuro do programa Erasmus+
- 5 de Novembro, 2014 - Carlos Coelho revisita caso Echelon, 14 anos mais tarde
- 29 de Outubro, 2010 - Programa Comenius exclui portugueses
- 11 de Outubro, 2010 - Programa Comenius exclui portugueses
- 9 de Junho, 2010 - Decisões da Comissão Europeia tomadas na sua reunião de 9 de Junho de 2010
- 3 de Maio, 2010 - O "Google Street View" e a protecção da privacidade