Quo vadis Europa ?
Depois de um prolongado silêncio, o Líder dos Verdes alemães e Ministro dos Negócios Estrangeiros, produziu um importante discurso na Universidade Humboldt de Berlim no passado dia 12.Maio sobre o futuro da Europa.
Invocando que o fazia a "título pessoal", O MNE alemão recolheu o apoio do Chanceler Schröder que lhe deu o apoio expresso, do Ministro dos Negócios Estrangeiros francês e de várias personalidades da cena política europeia.
Le Figaro em tom irónico referia, na sua edição de ontem que o problema dos Verdes é que se transformaram num partido de quadros… com um quadro apenas… o seu líder, Joschka Fischer.
“Quo vadis Europa ?”
É esta a questão que nos coloca, uma vez mais, a história do nosso continente. E, por várias razões diferentes, só pode haver uma resposta por parte dos Europeus se estiverem a pensar no seu bem-estar e no dos seus filhos: A Europa deve prosseguir em frente até completar a sua integração. Todos os Estados Membros da União Europeia, todos aqueles que querem fazer parte dela e também as nossas populações pagariam um preço demasiado alto se a Europa recuasse, ou simplesmente estagnasse no que já conseguiu. Isto é especialmente verdade para a Alemanha e para os alemães.
A tarefa que nos espera não é nada fácil, e devemos utilizar todas as nossas forças e os meios ao nosso alcance para, durante os próximos dez anos, conseguir com êxito o alargamento da UE a leste e a Sudeste, o que se traduzirá na duplicação do número de Estados da União Europeia. Para gerir este desafio histórico e integrar os novos Estados Membros, sem voltar a questionar a capacidade de acção da União Europeia, é necessário, ao mesmo tempo colocar a última pedra do edifício da integração europeia, ou seja, a integração política.
Duas decisões históricas tiveram uma influência positiva decisiva no destino da Europa no século passado: em primeiro lugar, a decisão por parte dos Estados Unidos, de continuarem presentes na Europa. E em segundo lugar, o facto de a França e a Alemanha terem apostado no princípio da integração a começar pela ligação estreita a nível económico
(…)
Permitam-me deixar agora de lado o “Ministro dos Negócios Estrangeiros” para poder proceder a algumas reflexões relativas não só à natureza do que chamamos “a finalidade da Europa” como também à maneira como podemos aproximar-nos desse objectivo e atingi-lo. E recomendo a todos os eurocépticos, de um lado e de outro da Mancha, que não façam grandes títulos desta minha intervenção, porque em primeiro lugar, trata-se de uma visão pessoal sobre a resolução futura dos problemas europeus, em segundo lugar, estamos a falar de longo prazo, bem depois da Conferência InterGovernamental. Ninguém deve, portanto, assustar-se com estas teses.
O alargamento tornará indispensável uma reforma fundamental das instituições europeias. Com efeito, como é possível imaginar um Conselho Europeu com trinta Chefes de Estado e de Governo ? trinta presidências ? Quanto tempo durariam as reuniões do Conselho ? Dias, semanas ? Como conseguir, a trinta, no actual tecido institucional da União europeia, conciliar diferentes interesses, adoptar decisões e ainda agir ? Como evitar que a União se torne definitivamente opaca, que os compromissos sejam cada vez mais incompreensíveis e bizarros, e que o interesse manifestado pelos seus cidadãos, relativamente à União, não acabe por cair abaixo do nível zero ?
Tantas questões, para as quais no entanto, existe uma resposta simples: a passagem da Confederação da União a uma total parlamentarização na Federação europeia, que já Robert Schuman reclamava há cinquenta anos. E isto quer apenas dizer um Parlamento Europeu e um Governo, também ele europeu, que exerçam efectivamente o poder legislativo e o poder executivo no seio da Federação. Esta Federação deverá ser fundada ao abrigo de um Tratado constitucional.
Estou perfeitamente consciente, dos problemas de forma (processo) e de substância que serão precisos ultrapassar até atingir este objectivo
(…)
É claro que vão acusar imediatamente esta solução simples de ser impraticável: a Europa não é um continente novo, mas um continente cheio de povos de culturas, línguas e história diferentes; os Estados-Nação são realidades indispensáveis, e quanto mais a mundialização e a europeização criarem superestruturas afastadas do cidadão e dos actores anónimos, mais os seres humanos se agarram à segurança e ao abrigo moral dos seus Estados-Nação.
Eu partilho de todas estas objecções, porque elas têm fundamento. Seria, por isso, cometer um erro irreparável de concepção, tentar concluir a integração política contra as instituições e as tradições nacionais existentes, em vez de tentar associá-las ao processo. Um tal empreendimento estaria condenado a falhar nas condições históricas e culturais da Europa. Um tal projecto apenas será realizável, independentemente das enormes dificuldades que apresenta, se a integração europeia, conservar os Estados-Nação numa Federação, não desvalorizando, nem fazendo posteriormente desaparecer (completamente) as suas instituições.
Por outras palavras, a concepção que prevalecia até agora, de um Estado federal europeu, que substituiria enquanto novo soberano os antigos Estados-Nação e as suas democracias, verifica-se ser uma construção artificial alheia às realidades europeias tradicionais. Concluir a integração europeia só se concebe se o processo se efectuar com base numa partilha de soberania entre a Europa e os Estados-Nação. É precisamente esse facto que está por trás da noção de “subsidiariedade”, e que é, neste momento, objecto de discussão em todo o lado, sem que ninguém, ou praticamente ninguém verdadeiramente a compreenda.
O que pode significar o conceito de “partilha de soberania” ? A Europa não conseguirá emergir num espaço político vazio. Daí decorre um outro aspecto da nossa realidade europeia: as diferentes culturas políticas nacionais e as opiniões públicas democráticas, que são além disso separadas por barreiras linguísticas. Um Parlamento Europeu deverá, portanto, representar sempre dois elementos: uma Europa dos Estados-Nação e uma Europa dos Cidadãos. Ora isto apenas se poderá fazer se esse Parlamento Europeu juntar as diferentes elites políticas nacionais e depois as diferentes opiniões públicas nacionais.
Isso é possível, a meu ver, desde que esse Parlamento Europeu disponha de duas Câmaras, das quais uma seria composta por Deputados eleitos pertencendo ao mesmo tempo aos Parlamentos nacionais. É este o meio para evitar qualquer antagonismo entre os Parlamentos Nacionais e o Parlamento Europeu, entre o Estado-Nação e a Europa.
No que respeita à outra Câmara, será necessário escolher entre um modelo de Senado, reunindo senadores dos Estados membros, que serão eleitos por sufrágio directo, e uma Câmara de Estados comparáveis à nossa Bundesrat. Nos Estados Unidos, todos os Estados elegem dois senadores, enquanto na Bundesrat, o número de votos é variável.
Apresentam-se igualmente duas opções para o executivo europeu, o Governo Europeu: ou nós decidimos desenvolver o Conselho Europeu de modo a torná-lo num Governo europeu, o que quererá dizer, que o governo europeu será constituído a partir dos Governos nacionais, ou se passa, baseando-nos na estrutura actual da Comissão, à eleição directa de um presidente com largos poderes executivos. É no entanto possível considerar diferentes formas intermédias.
Alguns dirão que a Europa é já bastante complicada neste momento, que é muito pouco transparente para os cidadãos da União e que um tal projecto contribuiria para complicá-la ainda mais. É exactamente o inverso que se procura aqui. A partilha de soberania entre a Federação e os Estados-Nação pressupõe como primeiro passo um tratado constitucional, regulamentado primeiro a nível europeu e depois a nível nacional.
A multiplicidade de regulamentos a nível comunitário, resulta, em parte, da "comunitarização indutiva", segundo o método Monnet, e reflecte os compromissos entre os Estados-Membros na actual confederação de Estados que formam a União Europeia. Uma repartição clara das competências entre a Federação e os Estados-Nação, no quadro de um Tratado constitucional, deixaria à Federação os domínios de soberania essenciais e apenas as questões que devem ser resolvidas imperativamente a nível europeu, enquanto que o resto continuaria a ser da competência dos Estados-Nação.
Daí sairia uma Federação europeia mais "leve" e capaz de agir, plenamente soberana embora composta de Estados-Nação afirmados. Os seus cidadãos compreenderiam e assumiriam como sua esta Federação, tendo ela ultrapassado o seu déficit democrático.
Tudo isto não anunciará, no entanto a morte do Estado-Nação. Com efeito, para o objectivo desta Federação, o Estado-Nação com as suas tradições culturais e democráticas continuará insubstituível, para legitimar uma união de cidadãos e de Estados que seja plenamente aceite pelas populações. Digo isto pensando especialmente nos nossos amigos na Grã-Bretanha, pois eu sei que a noção de “Federação” é para muitos britânicos uma provocação. No entanto, não encontrei ainda outra palavra. A ideia não é provocar seja quem for.
Mesmo na futura Europa, continuaremos a ser britânicos e alemães, franceses e polacos. Os Estados-Nação continuarão a existir e conservarão, a nível europeu, um papel bem mais importante do que o dos Länder alemães. E o princípio de subsidiariedade terá dignidade constitucional nesta futura União.
Estas três reformas, a resolução do problema da democracia, a necessidade de redistribuir inteiramente as competências – tanto horizontalmente, quer dizer, entre as instituições europeias, como verticalmente, quer dizer, entre a Europa, os Estados-Nação e as regiões – só poderão ser levadas a cabo através de uma refundação constitucional da Europa, ou por outras palavras, pela elaboração de um projecto de Constituição europeia que deverá não só estabelecer claramente os direitos fundamentais e os direitos do Homem e do cidadão, como deverá fazer uma separação equilibrada dos poderes entre as instituições europeias e uma delimitação rigorosa dos domínios "governados" pela Europa e dos reservados aos Estados-Nação. As relações entre a Federação e os Estados-Nação constituirão o grande eixo desta Constituição europeia. Para ser claro, devo precisar que isto não tem nada a ver com uma renacionalização, pelo contrário!
(…)
A questão que se coloca agora, com uma acuidade crescente, é a seguinte: Esta visão de uma Federação de Estados e de cidadãos, democrática e unida no plano político, será realizável, segundo o método de integração aplicado até agora, ou será necessário pôr em causa este método enquanto “elemento central do actual processo de unificação” ?
No passado, era essencialmente o método Monnet que dominava o processo de integração europeia, com a sua abordagem de comunitarização das instituições e das políticas europeias. Esta integração progressiva foi concebido nos anos 50 para a integração económica de uma pequeno grupo de países. Se este modelo se mostrou eficaz naquela altura, teve apenas uma utilidade limitada para a integração política e para a democratização da Europa. Onde não era possível para os membros da União europeia progredirem juntos, diferentes grupos formaram-se e avançaram, como para a União Económica e Monetária ou para os Acordos de Schengen.
Uma tal diferenciação, uma cooperação reforçada em sectores parciais, será esta a resposta ao duplo desafio do alargamento e do aprofundamento ? Precisamente numa União alargada e por consequência mais heterogénea, uma maior diferenciação será indispensável. Um dos objectivos centrais da Conferência intergovernamental é facilitá-la.
No entanto, uma diferenciação cada vez mais marcada, criará novos problemas: uma perca de identidade europeia e de coerência interna, assim como o risco de uma erosão interna da UE, se domínios cada vez mais vastos da cooperação intergovernamental se juntarem ao quadro da integração. A partir de agora, já não é possível ignorar uma crise do “método Monnet” que já não pode ser resolvida dentro dos limites da sua própria lógica.
Foi por isso que, Jacques Delors, ou Helmut Schmidt e Valéry Giscard d’Estaing, tentaram ultimamente encontrar novas ideias para sair deste dilema. Segundo Jacques Delors uma “Federação de Estados-Nação” composta pelos seis países fundadores da Comunidade Europeia, deverá estabelecer um “Tratado dentro do Tratado”, consagrado a fazer uma reforma profunda das instituições europeias. As reflexões de Helmut Schmidt e de Valéry Giscard d’Estaing vão mais ou menos no mesmo sentido, embora não proponham um núcleo de seis, mas sim de onze, os onze países da zona euro. Desde 1994 que, Karl Lamers e Wolfgang Schauble propunham a criação de um “núcleo duro” que sofria, no entanto, à partida de um defeito decisivo, pois tratava-se de um “núcleo” exclusivo ‑ que excluía um dos países fundadores, a Itália ‑ em vez de ser um polo de atracção aberto a todos.
Se, face ao desafio incontornável do alargamento a Leste, a alternativa para a UE é ou a erosão, ou a integração, e se agarrar-se a uma confederação de Estados, significa o imobilismo com todos os seus efeitos negativos, a União Europeia será confrontada, numa altura ou noutra, durante os próximos dez anos, com uma escolha que lhe será imposta pelas circunstâncias e pelas crises que essas circunstâncias terão criado: ou a maioria dos Estados Membros tenta o “salto para a integração plena” e se põe de acordo sobre um Tratado constitucional europeu, criando uma Federação europeia, ou no sentido inverso, um pequeno grupo de Estados Membros, constituirá uma vanguarda, ou seja um “centro de gravidade” composto por vários Estados disponíveis e capazes, enquanto europeus profundamente convencidos, de progredir na via da integração política. A única questão será apenas saber, quando chegar o momento, quem fará parte deste grupo de vanguarda e se o centro de gravidade se formará dentro ou fora dos Tratados. De qualquer maneira, uma coisa é certa: sem uma estreita cooperação franco-alemã nenhum projecto europeu poderá funcionar no futuro.
Sendo esta a situação, poderíamos imaginar, bem para além da próxima década, o desenvolvimento futuro da Europa em duas ou três etapas:
- Primeiro, o desenvolvimento da cooperação reforçada entre os países que querem uma cooperação mais estreita do que outros, como já acontece no caso da União Económica e Monetária e de Schengen. Este instrumento permite-nos avançar em bastantes domínios: o desenvolvimento na zona euro, a onze, a caminho de uma união político-económica, a protecção do ambiente, a luta contra a criminalidade, o desenvolvimento de uma política comum em matéria de imigração e de asilo, e claro, igualmente, na política externa e de segurança. Assim sendo, é importante não conceber a cooperação reforçada como um abandono da integração.
- A formação de um centro de gravidade poderia constituir mais tarde, uma etapa intermédia na via da conclusão da integração política. Este grupo de Estados concluiria um novo tratado fundamental europeu que seria o núcleo de uma Constituição da Federação. Com base neste Tratado fundamental, a Federação ficaria dotada das suas próprias instituições, de um Governo que, no seio da UE, deveria falar a uma só voz, em nome do membros do grupo, numa quantidade de questões ‑ tão grande quanto possível ‑ de um Parlamento forte e de um Presidente eleito directamente. Este centro de gravidade, deveria ser a vanguarda, a locomotiva da conclusão da integração política e conter desde logo todos os elementos da futura Federação.
Estou completamente consciente dos problemas institucionais que esse centro de gravidade causaria à UE actual. É por isso que seria decisivo zelar para que o acervo da UE não seja comprometido, que a UE não seja dividida, e para que os laços que seguram a União não sejam debilitados, nem no plano político nem jurídico. Será preciso elaborar mecanismos que assegurem a cooperação do centro de gravidade numa União alargada sem que daí resultem atritos que provoquem atrasos ou paralisias.
É impossível dizer neste momento, quais serão os Estados que participarão num tal projecto: os membros fundadores da UE, os onze membros da zona euro ou ainda um outro grupo. Em todas as reflexões sobre a opção de um centro de gravidade, uma coisa deve ser bem clara: esta vanguarda não deverá nunca ser exclusiva, deverá ser aberta a todos os Estados Membros e a todos os países candidatos à União Europeia, assim que exprimirem o seu desejo dela fazer parte. E para aqueles que quiserem participar mas não reunam as condições, deverá haver possibilidades de aproximação. A transparência e uma opção de participação para todos os membros da UE, constituiriam factores essenciais para fazer aceitar e realizar o projecto. Isto deve também ser aplicado precisamente aos países candidatos. Pois seria absurdo, de um ponto de vista histórico, e uma completa loucura , que no preciso momento em que está enfim reunida, a Europa, seja de novo dividida.
Este centro de gravidade deverá, portanto, ter interesse activo em alargar-se e deverá ser atractivo para os outros membros. Se se aplicar o princípio de Hans-Dietrich Genscher, que nenhum Estado membro possa ser obrigado a ir mais longe do que pode ou quer, mas que aquele que não quer continuar a avançar não possa também impedir os outros de o fazer, este centro de gravidade será constituído dentro dos Tratados. Se não…, será constituído fora.
- A última etapa seria assim a plena integração da Federação europeia. Para evitar qualquer mal entendido, eu quero sublinhar que a cooperação reforçada não leva a esta integração automaticamente, seja sob a forma de centro de gravidade, seja directamente como maioria dos membros da União. A cooperação reforçada não significará mais do que uma intergovernamentalização reforçada, devido às circunstâncias e devido à fragilidade do método Monnet. O passo que vai da cooperação reforçada a um Tratado constitucional – e é precisamente isso que será o começo da integração plena – pressupõe em contrapartida um acto de refundação política deliberada, da Europa.
Eis a minha visão pessoal do futuro: da cooperação reforçada a um tratado constitucional europeu e a conclusão da grande ideia que devemos a Robert Schuman: uma Federação europeia. Esta poderia ser a "boa via".
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