O Deputado do PSD Arlindo Cunha defendeu hoje, em Estrasburgo, que o fracasso da Conferência Ministerial da OMC em Cancum "implicará inevitavelmente um atraso nas negociações, sendo inevitável que o calendário negociado em Doha para o termo desta Ronda (31 de Dezembro de 2004) tenha de ser revisto e seguramente prolongado".
No debate no Parlamento Europeu sobre os resultados desta cimeira, Arlindo Cunha salientou que "a agricultura, ao contrário do que aconteceu no passado, apesar de ter sido um dos pontos fortes da negociação, não foi a causa profunda do falhanço nas negociações em que, além deste dossier, surgiram como mais relevantes as questões do acesso ao mercado para os produtos não agrícolas, as questões de Singapura (investimento, concorrência, transparência de procedimentos nos mercados públicos e facilitação do comércio), o vasto dossier das preocupações não comerciais associadas ao comércio (non-trade concerns) e o tratamento especial e diferenciado a conceder aos países em desenvolvimento.
No que respeita ao dossier agrícola, Arlindo Cunha defendeu que o fracasso se deveu exclusivamente à postura maximalista e inflexível do chamado grupo dos 22, liderados pela Índia, Brasil, Argentina, Indonésia e China. Para além de pretenderem uma liberalização quase completa do acesso aos mercados de países desenvolvidos sem darem um mínimo de contrapartidas, trouxeram para a mesa das negociações como pretensão fundamental a eliminação progressiva dos apoios internos considerados mais distorçores da concorrência internacional (caixas amarela e azul), quando a agenda de Doha apenas fala para estes apoios em redução substancial".
Para Arlindo Cunha, "a União Europeia apareceu pela primeira vez numa posição ofensiva e confortável, devido a dois importantes factores: a recém realizada reforma da Política Agrícola Comum (PAC) que permitiu transformar a maioria dos subsídios à agricultura em apoios não distorçores (ou minimamente distorçores) da concorrência internacional implicando a consequente passagem da caixa azul para a caixa verde, a qual está isenta de redução segundo os critérios da OMC; o acordo-quadro celebrado a 12 de Agosto com os Estados Unidos da América, que permitiu vincular este país a um conjunto de princípios já adoptados no âmbito da PAC e evitar a erosão resultante de ter de defrontar um adversário comercial de tão grande peso.
Há três grandes factores que tornam irrazoáveis as pretensões daquele bloco de países a respeito da UE.
O primeiro é o facto de a PAC de hoje nada ter a ver com a anterior a 1992. Depois das reformas de 1992, 1999 e 2003, a PAC surge hoje como uma política que já não encoraja a produção e que apenas afecta 9% de seu orçamento aos subsídios à exportação, contra cerca de 25% há apenas 10 anos. Por isso não deixa de ser estranho reparar que os nossos parceiros comerciais continuam a falar de uma PAC que já não existe, certamente por conveniência táctica, mas seguramente desonesta.
O segundo factor é que a UE já há muito que deixou de ser uma muralha proteccionista, especialmente devido à baixa de preços (e consequentes níveis de protecção) realizada pelas sucessivas reformas da PAC. Pelo contrário a UE é desde há muito o primeiro importador mundial de produtos agrícolas, com um valor de 60.000 milhões de euros, ou seja, mais do que os EUA, o Japão, a Austrália, o Canadá e a Nova Zelândia juntos. E seguramente digno de nota é o facto de 45% das exportações agrícolas da América Latina e 85% das de África já se destinarem ao mercado europeu. Não podem pois acusar-nos de excessivo proteccionismo, sendo razoável que os nossos agricultores também tenham direito a abastecer uma parte do seu próprio mercado.
O terceiro factor prende-se com o facto de a UE ter sido ao longo de todo o processo da Ronda de Doha o bloco do mundo desenvolvido que mais se empenhou em dar aos países em vias de desenvolvimento (PVD) um tratamento especial e diferenciado. Fê-lo através de duas propostas concretas: a iniciativa 'Tudo menos armas', mediante a qual se compromete a receber no seu mercado sem direitos alfandegários todas as produções agrícolas dos 49 países mais pobres do mundo (PPM); e a sua oferta no quadro da proposta de modalidades para que todos os países desenvolvidos se comprometam a importar uma percentagem mínima de produtos agro-alimentares dos países menos desenvolvidos.
Fê-lo, porém, de forma selectiva, já que pouco há de comum entre os países mais pobres do mundo (como Moçambique, Guiné Bissau, Chade ou Burkina Fasso) e países do grupo dos 22 (Índia, Brasil, Argentina, Uruguai, Chile, Indonésia, China, México), alguns deles com níveis de rendimento per capita superiores ao de alguns países da Europa de Leste que agora vão integrar a UE. Estes não têm sequer legitimidade para falar em nome dos outros, já que a satisfação de algumas das suas reivindicações prejudicaria a daqueles".
Arlindo Cunha fez ainda "uma referência ao grupo dos 61 países africanos que reivindicam a cessação de todos os subsídios à produção e exportação do algodão. Tratando-se de uma iniciativa que merece análise e até simpatia por parte da UE, era óbvio que uma tal concessão só poderia ser feita face à certeza de se chegar a um acordo. Faltou porém, sangue frio aos dirigentes destes países para esperarem até ao fim e o discernimento para saber escolher os seus reais aliados. Ao não haver acordo eles serão sem dúvida os principais prejudicados".